IRMÃ DULCE: A SANTA QUE EU CONHECI

Que me perdoem os meus amigos católicos, mas eu acho ser esse negócio de canonização uma grande estupidez! Comprovar milagres para determinar a santificação de alguém é, no meu humilde entender, um absurdo.

Agora, por exemplo, querem santificar a nossa Irmã Dulce, só que isso não foi ainda possível –alegam- porque falta a confirmação de um segundo milagre dela. Que tolice!

Irmã Dulce já é santa há muito tempo. O maior milagre através dela (porque ninguém faz propriamente milagre, apenas o nosso Deus) é a sua obra. Quem conhece essa obra e sabe como a surgiu, não tem dúvidas. Bastaria isso para Irmã Dulce ser reconhecida como uma pessoa santificada. Ademais, sua vida foi pautada por uma conduta ímpar e dedicada inteiramente ao amor dos mais humildes. Ela possuía um coração puro, abnegado e maior do que ela própria; possuía tudo para se transformar numa figura digna de ser venerada como santa.

Estou muito bem à vontade para afirmar isso porque não me considero religioso (acredito apenas em Deus) e muito menos católico. Aliás, creio ser as religiões um dos grandes males da humanidade. E adorar mesmo a Deus ou ser cristão, nada tem a ver com religiosidade. Repito: para adorarmos a Deus não precisamos necessariamente ser religiosos. Sabiam que no próprio Evangelho temos esclarecimento disso? (João 4:23).

“Mas ‘peraí’ – questionar-me-á alguém – isso é um paradoxo; a Irmã Dulce não era uma religiosa?” Claro! - responderei – Diria que foi talvez o único equívoco da sua vida, porém a sua grandeza estava acima de tudo.

Tive o privilégio de conhecê-la pessoalmente. Foi exatamente esse contato que me deu a convicção do que aqui declaro.

Conheci de perto Irmã Dulce quando trabalhava numa certa empresa. Embora morasse na Cidade Baixa num bairro próximo ao de Roma onde fica o prédio hospitalar em que ela residia e trabalhava, eu anteriormente não a conhecia de verdade. Ainda que costumasse vê-la em pessoa, principalmente nos fins de semana quando eu permanecia com uns amigos até altas horas da noite na praça ali existente e ao retornar para casa era corriqueiro ver, mesmo naquele horário, aquela freira percorrendo uma grande fila de gente (mendigos, gente em busca de tratamento e outros) que ali sempre se formava e ficando as noites inteiras. Ela se comunicava com aquelas pessoas, de uma a uma, e depois conduzia algumas delas para dentro do prédio de sua instituição. Confesso que achava aquilo apenas meio estranho e que até então não me impressionava.

Mas como eu dizia, passei realmente a conhecer Irmã Dulce depois, quando trabalhava numa certa empresa: a Capemi – para ser mais exato.

Ali, o Sr. Augusto Santana, diretor da sucursal baiana, costumava designar em certa época do ano um funcionário seu para prestar durante uma semana serviços na área de contabilidade à instituição filantrópica de Irmã Dulce. Era uma das maneiras que ele encontrava de auxiliar as obras assistenciais da freira. Uma vez coube a mim essa tarefa. Esclareço (ah, vergonha!) que de imediato não gostei de ser o escolhido. Havia por detrás de mim, vários tabus e incompreensões. Não considerava a freira como uma figura realmente caridosa e sempre desconfiava dos atuais religiosos. Via neles apenas hipocrisia e preocupação em fazer o bem não porque amassem o próximo, mas porque aguardavam uma recompensa na vida eterna, ou seja, buscavam seu próprio interesse. Também sempre repugnei esse negócio de ficar trancado dentro de um monastério na intenção apenas de salvaguardar sua própria alma como fazem alguns. Tudo isso me levava a ser uma pessoa extremamente anti-religiosa.

Então chegou o momento de conhecer de perto a Irmã Dulce. Estando lá no seu hospital, no primeiro dia, fui encaminhado a uma salinha muito confortável para prestar o meu serviço. Era um espaço novo e a funcionária que me conduziu até lá me disse: “Aqui seria o escritório da Irmã Dulce; fizeram-no para ela, entregaram há uns quatro meses atrás, mas até hoje ela nunca ocupou preferindo o local antigo. Você está tendo o privilégio de entrar e sentar nessa poltrona em primeiro lugar e estrear este ambiente”. Aí perguntei aonde ficava o outro escritório e a moça apontou para um corredor em que havia uma simples e velha cadeira de madeira, dizendo-me “É ali onde ela trabalha, descansa e passa as noites”.

Não demorou muito quando a própria Irmã Dulce apareceu. Veio trazer-me os seus cumprimentos e um convite: “Deixe o seu trabalho aí agora e vamos dar um passeio por esta nossa casa, quero que a conheça” – disse-me ela. E me abraçando colocou depois um dos braços no meu pescoço e saiu a me levar por aquele ambiente. Foi uma coisa maravilhosa. Percorremos todas as áreas do prédio. A limpeza e a organização me chamaram à atenção. Fiquei impressionado, entretanto uma coisa me deixou mais ainda: a receptividade dos pacientes internos que encontrávamos, ao vê-la, e a maneira terna como ela se dirigia a todos eles. Era puro amor! Depois olhando para mim com os seus olhos marejados me perguntou: “Tem alguma coisa que nos pague isso?” E em seguida afirmou: “Meu filho, tenha certeza que amando ao nosso próximo, estamos amando ao nosso querido Deus”.

E foi assim, que eu vim a reconhecer ali, não apenas uma freira extremamente caridosa, não apenas uma pessoa cheia de amor, não apenas uma autêntica cristã, porém uma verdadeira santa.