A HISTÓRIA E A VERDADE

“QUEM CONTROLA O PRESENTE, CONTROLA O PASSADO. QUEM CONTROLA O PASSADO, CONTROLA O FUTURO.” (George Orwell)

Muito se tem falado se os relatos históricos corresponderiam realmente aos fatos ocorridos. Especula-se que a verdade vai depender dos interesses de quem detém o poder no determinado momento da divulgação. Por exemplo, não precisa ser “expert” no assunto sobre fatos relativos às guerras mundiais, para saber que a versão que prevaleceu foi sempre a do vencedor.

Lembro-me de um episódio que pode claramente demonstrar, que muitas das vezes, aquilo que está escrito não combina com a realidade, mas sim com a conveniência do momento do relato. Na ocasião, morava eu, em um bairro periférico de minha cidade. Adolescente ainda gostava de brincar na praça com alguns amigos da vizinhança. Entre eles, havia um que vivia sempre acabrunhado, entristecido, possivelmente por ser de baixa estatura.

Volta e meia isolava-se, indo para debaixo de uma grande gameleira distante de nossas casas. Isso tudo era motivo de grande preocupação familiar. A propósito, seu pai, pessoa influente no bairro, afinal, era o único barbeiro do lugar,muito falante, alegre e cristão praticante, fazia parte na ocasião da Congregação Mariana de nossa paróquia. No salão de barbeiro de sua propriedade trabalhava com seu filho, aquele que tinha crises de depressão.

Num fatídico dia de domingo, fomos todos em um “piquenique” na beira de um pequeno riacho do município. Na volta o caminhão desgovernou-se e tombou, levando a morte, justamente o filho do barbeiro. O pai desorientado, com a perda do filho, passou a se dedicar mais a religião. Fazendo reuniões semanais, nas quais, era rezado “o terço do rosário”. Íamos todos juntos aos mutirões organizados pelo pai do adolescente falecido.

Curiosamente, o final dos encontros ocorria sempre na velha gameleira, onde o rapaz gostava de se retirar, era uma forma de homenageá-lo postumamente. Num desses eventos foi sugerido à criação de uma nova igreja, justamente ali, na gameleira. O nosso barbeiro era muito amigo do pároco e conhecido de todos. Então, juntamente com os moradores locais ergueram um santuário. Como homenagem, o nome dado a igreja foi de seu precursor, pois o morto, não tinha a alcunha de santo católico. Logo, o nome ficou sendo, com aquiescência geral, o do idealizador da nova igreja.

Assim aconteceu, o monumento religioso erguido e inaugurado. Um novo padre assumiu a nova paróquia. Porém, como o nosso barbeiro não era padre, aos poucos foi sendo colocado de lado e nos anais da fundação da igreja, nunca constou o nome de seu verdadeiro fundador e os fatos históricos que deram ensejo a sua fundação. Depois disso, “o nosso herói” desgostou da vida, passou a fumar mais e a falar menos, acabou morrendo por insuficiência cardíaca, anos mais tarde.

A omissão levada pela conveniência foi marcante. Hoje, a história da fundação da igreja difundida entre os freqüentadores desse templo religioso, não corresponde às verdades dos fatos, visto ter sido distorcida. Por outro lado, qual seria a dimensão de mentiras, omissões quando trata-se de relatar acontecimentos de maior relevância, onde muitos interesses estão em jogo, principalmente os de natureza política e econômica. Assim, deve-se ficar atento sobre a descrição de fatos históricos, não aceitando tudo que está escrito como verdade. Sempre é bom ouvir mais de uma versão sobre o mesmo assunto...!

João da Cruz
Enviado por João da Cruz em 15/11/2010
Reeditado em 20/10/2019
Código do texto: T2616516
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