CAMISAS VELHAS, AMORES NOVOS

Já fui mais organizado em relação ao meu guardarroupa.

Gostava de seguir certos padrões. Nas gavetas, vinham as camisas um pouco menos prestigiadas, mas não menos organizadas. Seguiam a ordem da antiguidade. Nos cabides junto aos casacos e aos ternos, mantinha as camisas que gostava de usar em festas, barzinhos, à noite. Eu chamava de 'primeira classe'. Tinha absoluto controle das posições, e as enfileirava pelo cabide segundo a ordem das cores. Da mais escura a mais clara, da direita para a esquerda. Lá eu mantinha as minhas camisas da sorte. Quando as vestia me sentia outro , mais confiante, mais seuguro, mais detentor de mim.

Todo homem possui a sua camisa da sorte. Aquela que é separada com uma semana de antecedência, logo após desligar o telefone e marcar um encontro com aquela mulher desejada há tempos. Eu tinha o meu rol. Não gostava que as alterassem de lugar, inclusive eu mesmo as passava. Descobri que passar roupa é uma das melhores terapias existentes, e o melhor: Gratuito. O homem que passa suas roupas estará sempre um passo a frente dos demais. Mas eu não me interessava muito nisso. Era mais pra uma espécie de concentração antes da partida, onde restavam apenas a camisa e eu, eu a massageava com o ferro, como quem dizia: Vai lá e mostra o que você sabe fazer! Sempre houve uma cumplicidade entre mim e as camisas.Tínhamos objetivos em comum.

Elas eram promovidas eu rebaixadas, dependendo de suas atuações. Se eu levasse um fora de alguma mulher, a culpa era da camisa. Se tivesse sucesso, ela tinha sua parte de mérito. Minhas camisas sempre foram o meu diário a céu aberto.

Sim, eu sei, TOC era pouco, muito pouco pra definir essa época, e se me chamarem de excêntrico, considerarei o mais belo dos eufemismos.

Mas foram surgindo responsabilidades. Trabalhos, estudos, pouco tempo em casa e, consequentemente, pouco tempo para as minhas organizações. Tudo bem que essa é a desculpa preferida dos bagunceiros, mas não chego a esse nível. Me restringi ao esquecimento em relação às minhas roupas. Mais: Muitas foram abandonadas, largadas, algumas sumiram. Porque certas roupas desaparecem, mesmo. Mágoas de quem se sente abandonado.

No amor também é assim. Talvez sem explicação, sem que percebamos, desatamos nossos laços afetivos, e o transformamos em nós. Nós cegos. Nós dois cegos. Um não enxerga mais o outro, mas os dois se aturam. A atenção passa a não ser mais a mesma, as ligações reduzem apenas às cobranças. O encontro passa a ser como uma ida ao dentista: Tem que ir, fazer o que. A paixão passa a ser obrigação. O amor perde a cor. Desbota, o largamos às poeira e às traças, para sucumbir na inevitável consequência: A substituição. Às escuras, às escondidas, por nos faltar coragem pra dizermos o que é mais evidente: Vai.

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Não cultivo um amor amarrotado, descosturado, rasgado. Um desleixo despercebido e natural no amor pode significar que fora aproveitado até as últimas consequências. Tudo daquele amor fora logrado, e por vezes se rompe, rasga, nos avisando que chegara ao fim. Não é motivo de lamento, e sim de entregar-se às oportunidades futuras.

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Essa semana, minha mãe, depois de uma faxina, me mostrou três de minhas antigas camisas, e falou:

-Brunno, olha, essas camisas estão furadas. Quer que eu dê um ponto?

Ela queria dar um ponto. Se desse três pontos, seriam reticências, e reticências significam continuação. Mas mãe é sabida. Foi enfática. Apenas um ponto. Não deu brecha.

-Pode ser, mãe.

Tirei aquele dia pra dar um ponto em outras mais, inclusive nas não apenas furadas.

Mais no meu blog: www.lealbrunno.blogspot.com