QUANDO A INSISTÊNCIA LEVA À DESCONFIANÇA – IV
O sonho de tentar comprar um apartamento estava se transformando, para mim, numa dor de cabeça das grandes. Sabia, de antemão, que uma das armas de um bom vendedor é sempre a persistência (vencer pelo cansaço). Mas, por outro lado, algumas “coincidências” aliadas a essa característica, estava me deixando já com uma vontade enorme de não mais querer adquirir o imóvel, mesmo sendo para investimento.
Por isso, antes de dormir, eu já tinha tomado um decisão: não iria mais “insistir” junto à patroa para convencê-la da aquisição do “complexo fechado”; até pelo fato, também, de que, fazendo umas contas "de cabeça”, o sonho não me parecia querer se tornar tão real assim, já que os “reais” que eu dispunha, para dar como entrada nesse sonho, me pareciam, na verdade, uma complicada fantasia. E, se colocados ao lado das prestações que “nós” iríamos assumir, o desejo de “possuir um apê” passou a ser poesia declamada ao vento (e bem forte) onde seus versos expressavam o sentimento nostálgico de um devaneador em delírio de grandeza.
Desta forma, com a consciência tranquila, na certeza de que, quando acordasse no dia seguinte, “Dora” (a corretora) seria apenas o nome que lembrava o apelido da minha esposa, dormi o sono dos justos (pra falar a verdade, até sonhei morando num prédio bem alto, com uma vista lindíssima – de frente para o mar – e uma brisa que, só em sentir, a vontade que dava era de comprar uns dois deles).
Terça-feira, no café da manhã, apreciando a vista panorâmica do restaurante, de repente, escuto um “bom-dia” dito com a suavidade de quem sabe que, quem ouvisse, já começaria a ser fisgado pelo som melodioso de quem falava. Quando eu me viro, dou de cara com uma colega de “Programa” que já foi – sem nem me dar tempo de responder ao cumprimento – dizendo que tinha me visto, na noite anterior, visitando o tal empreendimento.
- Professor, está interessado em adquirir um imóvel naquele condomínio? – perguntou-me.
- É, pra falar a verdade, eu apenas fui dar uma olhada – para depois fazer uma análise se eu teria condições ou não para fazer um investimento imobiliário.
E para encurtar a conversa, eu já emendei:
- Porém, eu cheguei à conclusão de que, mesmo que eu quisesse, com o que eu ganho mais com o que a minha esposa ganha – somando ao que eu ainda vou ganhar, mesmo assim ainda não dá para assumir, sem passar por um “regime” brabo, as prestações, “balões” e entrada da “chave” da tão desejada - e agora tão distante - copropriedade (nessa hora, eu me lembrei de que, no folder que eu havia recebido, estava escrito que era um condomínio para a classe média morar, com suaves prestações que cabiam no bolso de qualquer um). Bem, eu não sei o tamanho do bolso dos outros, mas no meu, com certeza, não estava cabendo. Aliás, o fato não era “caber”, mas, sim, analisar, a partir daquele instante, a qual classe eu pertencia. Sim. A resposta estava, sem sombra de dúvidas, na minha classe social.
Entretanto, ela não se deu por satisfeita. Depois de dizer que também era, nas horas vagas, corretora da imobiliária que eu havia visitado, argumentou, refez os cálculos, diluiu a sua comissão em três suaves prestações (nessa altura do campeonato eu já estava com saudade de “Dora” – a corretora), já ligou para a imobiliária e “conseguiu” novos planos de pagamento; enfim, enquanto eu “devorava” um pedaço de mamão, ela já tinha me colocado entre o quarto e o oitavo andares, com direito a uma cozinha planejada, piso em mármore 40 x 40, na ala norte, com direito a duas vagas na garagem, um passaporte para visitantes – sem reservas – e um bilhete para concorrer a um carro zero, quando os apartamentos ficassem prontos em 2013.
- Agradeço a sua gentileza, mas, como disse, ontem à noite, à outra corretora, tudo vai depender da “patroa”, disse eu, não querendo ser mal-educado e nem decepcionar uma “investida” tão bem dada.
- Professor, disse ela, eu vou mandar para o seu e-mail todos os planos para que vocês dois analisem e, tenho certeza, vocês vão adorar morar nesse empreendimento (vocês precisavam ver a cena teatral que ela fez: olhou para um ponto ao longe, meneou a cabeça, suspirou como numa exclamação e sorriu o sorriso mais bonito que eu já vi na minha vida!)
A minha sorte é que o tempo, durante esses seminários, é todo cronometrado. Assim, eu pude sair dali – não sem antes prometer que iria “analisar” a proposta que ela iria mandar para o meu e-mail –, pois o perfume que ela estava usando, me fazia lembrar de outros perfumes embriagadores, que eu havia sentido na noite anterior.
Durante o dia inteiro, de vez em quando, eu era “assediado” com mais maravilhas do condomínio. Aí, eu me lembrei de uma coisa e aproveitei para perguntar a ela:
- Vem cá, como é que vocês conseguem ligar para a casa de todo mundo, sem nem mesmo ser da mesma cidade?
- Ora, professor! Nós temos o cadastro de todo mundo que ganha a partir de... (ela disse o valor que, na verdade, não chegava – nem de longe, mesmo unindo ao da minha esposa – ao mínimo deles).
(Continua...)
Obs. Imagem da internetO sonho de tentar comprar um apartamento estava se transformando, para mim, numa dor de cabeça das grandes. Sabia, de antemão, que uma das armas de um bom vendedor é sempre a persistência (vencer pelo cansaço). Mas, por outro lado, algumas “coincidências” aliadas a essa característica, estava me deixando já com uma vontade enorme de não mais querer adquirir o imóvel, mesmo sendo para investimento.
Por isso, antes de dormir, eu já tinha tomado um decisão: não iria mais “insistir” junto à patroa para convencê-la da aquisição do “complexo fechado”; até pelo fato, também, de que, fazendo umas contas "de cabeça”, o sonho não me parecia querer se tornar tão real assim, já que os “reais” que eu dispunha, para dar como entrada nesse sonho, me pareciam, na verdade, uma complicada fantasia. E, se colocados ao lado das prestações que “nós” iríamos assumir, o desejo de “possuir um apê” passou a ser poesia declamada ao vento (e bem forte) onde seus versos expressavam o sentimento nostálgico de um devaneador em delírio de grandeza.
Desta forma, com a consciência tranquila, na certeza de que, quando acordasse no dia seguinte, “Dora” (a corretora) seria apenas o nome que lembrava o apelido da minha esposa, dormi o sono dos justos (pra falar a verdade, até sonhei morando num prédio bem alto, com uma vista lindíssima – de frente para o mar – e uma brisa que, só em sentir, a vontade que dava era de comprar uns dois deles).
Terça-feira, no café da manhã, apreciando a vista panorâmica do restaurante, de repente, escuto um “bom-dia” dito com a suavidade de quem sabe que, quem ouvisse, já começaria a ser fisgado pelo som melodioso de quem falava. Quando eu me viro, dou de cara com uma colega de “Programa” que já foi – sem nem me dar tempo de responder ao cumprimento – dizendo que tinha me visto, na noite anterior, visitando o tal empreendimento.
- Professor, está interessado em adquirir um imóvel naquele condomínio? – perguntou-me.
- É, pra falar a verdade, eu apenas fui dar uma olhada – para depois fazer uma análise se eu teria condições ou não para fazer um investimento imobiliário.
E para encurtar a conversa, eu já emendei:
- Porém, eu cheguei à conclusão de que, mesmo que eu quisesse, com o que eu ganho mais com o que a minha esposa ganha – somando ao que eu ainda vou ganhar, mesmo assim ainda não dá para assumir, sem passar por um “regime” brabo, as prestações, “balões” e entrada da “chave” da tão desejada - e agora tão distante - copropriedade (nessa hora, eu me lembrei de que, no folder que eu havia recebido, estava escrito que era um condomínio para a classe média morar, com suaves prestações que cabiam no bolso de qualquer um). Bem, eu não sei o tamanho do bolso dos outros, mas no meu, com certeza, não estava cabendo. Aliás, o fato não era “caber”, mas, sim, analisar, a partir daquele instante, a qual classe eu pertencia. Sim. A resposta estava, sem sombra de dúvidas, na minha classe social.
Entretanto, ela não se deu por satisfeita. Depois de dizer que também era, nas horas vagas, corretora da imobiliária que eu havia visitado, argumentou, refez os cálculos, diluiu a sua comissão em três suaves prestações (nessa altura do campeonato eu já estava com saudade de “Dora” – a corretora), já ligou para a imobiliária e “conseguiu” novos planos de pagamento; enfim, enquanto eu “devorava” um pedaço de mamão, ela já tinha me colocado entre o quarto e o oitavo andares, com direito a uma cozinha planejada, piso em mármore 40 x 40, na ala norte, com direito a duas vagas na garagem, um passaporte para visitantes – sem reservas – e um bilhete para concorrer a um carro zero, quando os apartamentos ficassem prontos em 2013.
- Agradeço a sua gentileza, mas, como disse, ontem à noite, à outra corretora, tudo vai depender da “patroa”, disse eu, não querendo ser mal-educado e nem decepcionar uma “investida” tão bem dada.
- Professor, disse ela, eu vou mandar para o seu e-mail todos os planos para que vocês dois analisem e, tenho certeza, vocês vão adorar morar nesse empreendimento (vocês precisavam ver a cena teatral que ela fez: olhou para um ponto ao longe, meneou a cabeça, suspirou como numa exclamação e sorriu o sorriso mais bonito que eu já vi na minha vida!)
A minha sorte é que o tempo, durante esses seminários, é todo cronometrado. Assim, eu pude sair dali – não sem antes prometer que iria “analisar” a proposta que ela iria mandar para o meu e-mail –, pois o perfume que ela estava usando, me fazia lembrar de outros perfumes embriagadores, que eu havia sentido na noite anterior.
Durante o dia inteiro, de vez em quando, eu era “assediado” com mais maravilhas do condomínio. Aí, eu me lembrei de uma coisa e aproveitei para perguntar a ela:
- Vem cá, como é que vocês conseguem ligar para a casa de todo mundo, sem nem mesmo ser da mesma cidade?
- Ora, professor! Nós temos o cadastro de todo mundo que ganha a partir de... (ela disse o valor que, na verdade, não chegava – nem de longe, mesmo unindo ao da minha esposa – ao mínimo deles).
(Continua...)