FÉRIAS E CAÇUÁIS - Histórias da minha infância VIII

FÉRIAS & CAÇUÁIS

Era chegado o mês de julho, as férias enfim despontavam como o melhor presente para mim, que, antes de qualquer coisa, gostava muito de estudar e mais ainda, de passar as férias no sítio dos meus avós.

Desde a sexta-feira eu arrumei a sacola, dentro, além das roupas, alguns gibis, livretos e revistas “Recreio” que eu lia sempre, já inspecionara tantas vezes a sacola que sem dúvida, tudo o que precisava para ficar cerca de 30 dias na casa do meu avô estava ali. Bem cedo tomei banho, café da manhã e nada, como o meu avô estava custando!!! Seu Elias com certeza também havia acordado cedo, era dia de feira na cidade, ele colhia as frutas maduras e trazia todos os sábados para vender, eram especiais, suculentas, antes de vendê-las gostava de contar histórias tipo, de onde viera a árvore que dera aquele fruto , como crescera, enfim, esse era o meu avô.

Às cinco horas da manhã, vovô já estava saindo para a cidade. O sítio ficava a 5 km de Altamira, tinha que seguir por uma estrada longa, cheia de ladeiras, de chão batido, ele gostava de sair ainda à noite, as estrelas e lua brilhando no céu, o canto dos grilos e sapos o deixavam animado, estava acostumado, seus olhos eram de caçador, não precisava da claridade para se movimentar e o cavalo Castanho gostava de passear com o meu avô. Às 4 horas da madrugada ele já havia comido milho, e seu Elias colocava sobre seus lombos, dois Caçuáis*. De um lado, frutas diversas, do outro, espigas de milho e macacheira*, o peso bem distribuído não o deixava cansado, afinal, ele iria devagar, ao som dos hinos entoados por vovô Elias, sem pressa e sem chicote, vovô não gostava de bater nos animais.

Pois bem, voltemos à cidade, eu não agüentava mais esperar, vô estava custando, se demorasse muito, ainda iria almoçar em casa e o que eu mais queria era chegar logo no sítio para tomar um bom banho de igarapé e só mais tarde, almoçar, mas nada, a todo instante eu ia à porta ver se avistava o cavalo do meu avô. Eram quase onze horas quando lá no fim da rua vejo o meu vozinho a pé, puxando o animal. Ele parecia um Rei. Chapéu Panamá na cabeça, calça de Gabardine, camiseta branca por baixo da camisa azul claro, sapatos bem engraxados. Ele deu uma parada, tirou o lenço do bolso e enxugou o suor. O calor já se manifestou, corri para abraçá-lo. Ele me ergueu no colo, depois passou a mão nos meus cabelos longos e seguimos para casa, eu disse que queria logo subir no cavalo e entrar no caçuá.

Bem, essa é a melhor parte da história. O passeio no caçuá. Vovô depois que vendia as frutas, comprava alimentos para levar para o sítio, nesse dia, distribuiria o peso, eu iria dentro de um e do outro lado, as compras.

Ele entrou em casa, conversou um pouco, merendou e falou: - Vamos Adilene, temos um longo caminho para seguir. Pedi a benção dos meus pais e fui colocada no cesto de vime, meu coração disparava de alegria, iria ficar um mês inteiro subindo em árvores, pegando passarinhos, brincando de esconde-esconde com meus primos, plantando milho, correndo na chuva, tudo isso eu adorava fazer, e ainda tinha os cultos dominicais que eram os melhores. Havia um senhor chamado José Antonio que possuia uma vitrola manual e colocava hinos antigos para tocar, eu pedia para ele acelerar, mas nunca o fazia, e, como a tocar num bem precioso, ele funcionava aquele aparelho à manivela.

E lá fomos nós, euzinha sentada dentro do cesto, como uma rainha, vovô colocara um travesseiro para eu melhor me acomodar, do alto, eu olhava a paisagem, as árvores, os pássaros... e, conversava pelos cotovelos,contei todas as histórias interessantes para o vovô, mas o sol batendo na cabeça estava dando um sono...acabei dormindo, acordando na entrada do sítio quando ouvi a gritaria dos outros primos que como eu, também iriam aproveitar as fériaspor lá.Meus tios e vovó Ester estavam no terreiro nos esperando, ela já sofria do mal de Alzheimer, mas ainda tinha lampejos de memória, ficava feliz com a algazarra que os netos faziam, às vezes gargalhava em meio às brincadeiras. Meus tios tomavam conta da casa e administravam o sítio, a casa do vovô ficava separada da casa grande, ele dizia que era para ficar a sós com Deus, gostava de levantar na madrugada para orar, segundo ele, o melhor horário era às 3 horas, meu avô sempre foi um homem sábio.

Pulei do caçuá e já saí correndo para guardar a minha sacola, depois de falar com os tios e avó, corri em disparada para brincar, assim começava as minhas férias, eu tinha 10 anos e o meu mundo era a cidade onde eu morava e o sítio do meu avô.

Lá não havia água gelada, tomávamos a água do pote com gosto de barro, e eu achava deliciosa; o pão era guardado dentro da lata de farinha, ele se mantinha fresquinho; o leite era tirado da vaca todo dia bem cedinho e o tomávamos mungido; não havia televisão, ouvíamos rádio, sempre programas evangélicos que começavam às 6 horas da manhã, Rádio Trans Mundial direto da Ilha de Bonaire, Antilhas Holandesas; a bola de futebol que brincávamos era feita de meia cheia de retalhos, nossas bonecas eram feitas de sabugos de milho; à noite, sentávamos em círculo para ouvir estórias que meu avô contava, depois, brincávamos de roda, cabra cega, mímica, e, assim vivia a minha infância.

*Caçuá, palavra de origem tupi, é o cesto de vime ou cipó que serve para carregar mantimentos e é transportado por animais de carga no interior do norte e nordeste brasileiro.

* Macacheira- Mandioca