VELHO CHICO

Lembrei-me hoje de ti, meu querido rio São Francisco, em cujas margens vivi por treze saudosos anos. Revivi as pescarias... Quando atravessavam as noites, aportávamos em tuas praias, cozinhávamos alguns peixes e, ao raiar o dia, prosseguíamos.

Relembrei quantas redes ilegais arranquei de tuas águas, destruí e em tuas margens atirei. Até as ameaças de morte dos donos das redes relembrei... Hoje, entre risos.

Quantos pintados, mandis-açu, pirás, piaus, dourados, traíras, curumatás e corvinas generosamente me deste, retribuindo meu zelo por ti. Sabias que a maioria, certamente, ser-te-ia devolvida.

Lembrei-me da mística encantada que te cerca. Uiara atrai a gente para o fundo com sua beleza e a de seu canto. Para que a pesca seja boa, há que se deixar, sobre uma pedra, um pedaço de fumo para o caboclo d’água.

Lembrei-me, também, divertido, de quando sobre tuas águas, no centro de teu leito, calmamente caminhei. Turistas chamaram de milagre, mas a triste verdade, eu bem sabia: nada mais eram do que bancos de areia, de menos de um palmo de profundidade, sinais de teu assoreamento, resultado cruel da erosão de tuas margens já carecas, de tão desmatadas.

Mas és um valente e bravo lutador. A despeito disso, das águas que te roubam e querem ainda roubar, continuas a mover usinas, a matar menos que a alimentar o homem que só pensa em te transformar num mero rasgo no lombo da terra.

Júlio Marques
Enviado por Júlio Marques em 22/11/2010
Reeditado em 13/11/2012
Código do texto: T2629596
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