O BIBELÔ DE PORCELANA

Estávamos no final da década de quarenta, eu e Luciano éramos noivos e tínhamos muitos amigos comuns, pois no bairro onde morávamos, éramos muito conhecidos e frequentávamos quase todas as festas . Formávamos, com outros jovens casais, uma turma muito animada. Havia também um senhor que, embora ainda moço, era chamado de vovô, por ter seus cabelos inteiramente brancos. Em todas as festas ele era sempre o meu par, para dançar a valsa. Todos paravam para nos ver rodopiar no salão, pois éramos uns verdadeiros “pés de valsa” e por isso éramos sempre muito aplaudidos. Em todas as festas em que estávamos, alguém sempre pedia para que tocasse valsa para nos ver dançar.

Entre todos os nossos amigos, havia um muito especial, muito querido por mim e pelo Luciano. Era um rapaz educado, de boas maneiras, simples e culto, que sempre ia à minha casa em companhia do meu noivo e a quem visitávamos também, pois vivia com a mãe viúva e um irmão menor; sendo ele o chefe da família e que apesar de ser bem jovem , assumia as suas obrigações familiares com muita responsabilidade. Era um mulato de olhos verdes, muito bonito e de porte elegante, como era frequente se encontrar no nordeste. O seu nome era Mario.

Eu vivia só com a minha mãe, que era viúva. Os meus irmãos já eram casados. Minha mãe, apesar de sermos pobres, era muito orgulhosa de sua origem e da brancura de sua pele. Nascera ainda no século dezenove, sete anos depois da Abolição da Escravatura. Daí se pode imaginar como fora criada preconceituosa em todos os sentidos e não via com bons olhos a nossa amizade com Mario, pois dizia sempre que além de negro, ele parecia ser um maricas (era essa a denominação do homossexual, naquela época).

Nós não dávamos nenhuma importância aos seus comentários, pois como jovens esclarecidos na época, não tínhamos preconceito racial ou de qualquer espécie e tanto era assim que, contrariando os protestos de minha mãe, ele e sua mãe foram uns dos padrinhos de nosso casamento. Passados alguns anos, ele mudou de cidade com a família, por motivo de ordem profissional e infelizmente soubemos , anos depois, que ele havia falecido de problemas cardíacos.

Hoje sou viúva, cheia de netos e bisnetos e gosto de rever os poucos objetos que ainda guardo da época do meu casamento, tais como uma coqueteleira e seus copos de cristal. Foi então que, entre tais objetos, encontrei um lindo bibelô de porcelana, uma caixinha de “pó de arroz,” que se usava a cerca de sessenta anos atrás, em forma de uma linda bailarina e que me foi presenteado pelo nosso inesquecível amigo Mario.

Lucilia Cavalcanti
Enviado por Lucilia Cavalcanti em 23/11/2010
Código do texto: T2633135
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