NA VAGA PARA UMA CADEIRA DE RODAS

O melhor horário para fazer compras em um supermercado, desses chamados 24 horas, é por volta das 5 horas da manhã. Penso assim, mas pouca gente compartilha comigo esse gosto; por algum motivo não há quase ninguém fazendo compras tão cedo. Pois além de estar quase vazio, um carrinho aqui outro acolá sendo calmamente empurrado por gente madrugadora, tudo o que deve ser fresco está recém colocado nas gôndolas; um nome bem técnico para prateleiras. No estacionamento então, escolhe-se a vaga e manobra-se com tranqüilidade pelos espaços que sobram. Algumas, entretanto, são sagradas, exclusivas; não podem ser usadas, pois estão próximas a lixeiras, portas de serviços, botijões de gás. Outras só podem ser usadas por quem elas são reservadas. É o caso da vaga destinada às pessoas que usam cadeiras de rodas. Nessa, entre aquelas duas linhas amarelas, no chão, está visivelmente desenhada a marca, reconhecida em todo o mundo, de uma pessoa em uma cadeira de rodas. Esse local, portanto, está reservado para elas. Todos sabem, mas nem todos respeitam.

Dia desses, num supermercado 24 horas, depois de deixar meu carro e já me dirigindo para a loja, vejo uma jovem senhora estacionar seu carro numa vaga reservada. Ingênuo, achando que ela não tinha notado a marca desenhada no chão, chamei sua atenção para o estacionamento irregular; digamos inconveniente. Apontei para o chão e sussurrei, acho, proibido! “O que é que você tem com isso?” foi a resposta dura e desaforada. Arrogante, do alto de seus tamancos, fez clap-clap no piso cimentado e se foi andando bem a minha frente com interessante gingado.

Entre chocado e abestalhado fiquei me perguntando como alguém pode ser tão estúpida, além de grosseira, àquela hora da manhã? E depois, servindo-me de verduras fresquinhas e de frutas cheirosas respondi a minha própria pergunta: respeito. Melhor: falta de respeito; com consigo mesma, principalmente. Essa jovem senhora faz parte de uma legião de gente estúpida e prepotente que por motivos inconfessáveis não respeita o que é mais simples, mais ordinário, no melhor sentido dessa palavra. Gente que subverte a ordem e desrespeita as normas por uma deformação cultural, hábito desprovido de mínimo senso de ordem. Sentem-se livres e não dependerem de nada e de ninguém. Pensam que são independentes e, por isso, não seguem as normas. Não sabem que independente é quem conhece as normas, segue as normas e tem as normas dentro de si. Não gosto do termo “cadeirante”; sou da geração de um tempo em que às pessoas paralíticas eram assim chamadas sem hipocrisia e eram muito mais, compreendidas, assistidas e respeitadas do que hoje, quando a elas atribuem serem portadoras de necessidades especiais. Talvez nenhuma dessas pessoas tenha necessitado estacionar naquele lugar, a elas reservado, enquanto estava sendo ocupado por uma desnecessária jovem senhora. Quando sai do supermercado ela já não estava mais lá. Certamente teria ido espalhar seus desrespeitos em outros locais.

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 13/10/2006
Código do texto: T263735
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