- più bella donna!

Por muitos meses, muitos, muitos meses, eu me preparei psicologicamente para escrever esse episódio fascinante da minha vida. Sonhei e tornei a sonhar com o vivido, e em poder descrever o que vivi à altura do fato. Escrevi folhas e folhas e rasguei papéis e borrei tintas e chutei máquinas de escrever e engoli teclas do meu teclado e desisti no meio do caminho, tudo isso enquanto (fingia) trabalhar em meu humilde recinto bancário em Brasília. E sofri muito, e ouvi canções e ainda hoje ouço canções que me lembram do ocorrido, e sonho e suspiro como uma moça. É, é gay escrever isso, mas e daí? Aqui eu sou uma moça mesmo, posso permitir um certo grau de sinceridade sobre alguns assuntos sem assombrar ninguém. Então, sim, vamos logo ao assunto, não vai doer tanto se eu começar a contar... Um, dois, três, respira fundo e

Lisboa, 2010. Noite clara de verões europeus. Já deviam ser umas oito da noite e aquele calor, a essas alturas, já tinha me obrigado a tomar várias super bocks no parque Eduardo VII, sozinho, observando os carros e a figura simpática do Marquês de Pombal, que por sua vez observava alguma coisa lá pelos lados do Tejo. Não, não pensava em absolutamente nada, mas estava feliz. Tinha descoberto um verso de Pessoa talhado atrás de uma estátua no parque, na altura do El Corte Inglés, os versos eram lindos e desconhecidos para mim naquela altura, foi um prazerzinho simples daqueles que nos fazem ganhar o dia. E finalmente o sol se cansou lá pelas 9 da noite, quando, pasmem, começou a tocar rebolation no som ambiente, e o lugar foi enchendo mais um pouco.

Ao meu lado sentaram-se alguns caras da minha idade falando alemão. Eles olhavam para os lados com a mesma ansiedade que eu olhava, o que me fez concluir que procuravam pela mesma coisa que eu (e qualquer outro cara): mulheres. Comecei a arranhar qualquer besteira com meu alemão até razoável, pedi um cigarro e começamos a conversar, fui ficando bêbado e lancei o alemão às favas. Vai inglês mesmo, e para minha surpresa, eles falavam inglês fluente também (como quase todo mundo na Europa, como descobri um pouco depois). Acontece que os rapazes eram estudantes de economia como eu, mas calouros, e estavam em Portugal antes das aulas começarem, de bobeira. Estiveram em Ibiza também. Não eram alemães, eram austríacos, mas aí já era tarde, já tinha cometido a gafe. Me senti perguntando ao detetive Poirot se ele era francês. Mas decidiram sair comigo assim mesmo, por precisarem de alguém pra falar português. Eram ótima companhia! Fechamos a conta e lá vamos nós em busca de aventuras na noite lisboeta.

Conversas excelentes, vinhos e massas em um refinado (e muito barato!) restaurante do estupidamente cheio Bairro Alto. Quando ouço uma música do Skank vindo de um barzinho próximo, sim, Skank! Conversei com o cara que tocava e ele era de BH também, enfim, blá blá blá, vamos pro Lux? Ja, ja, na gut! this way, excuse me, merci.

Acontece que o Lux era 250 euros pra entrar, e aí que agora chegamos finalmente no ponto mais importante de nossa aventura: Os italianos e A italiana atrás da gente na fila.

- Let's go somewhere else then, I heard the docks are a nice place. We can take two cabs. Falava e já estava totalmente perdido dentro daqueles olhos azuis. Já tinha olhado duas, três, dez vezes para aquele corpo maravilhoso. Todo álcool que havia bebido até aquele ponto evaporou de uma só vez, me esquentando a cabeça como um motor super-aquecido. E ela concordou comigo, mas seu inglês não era lá essas coisas. A mulher mais linda que já havia visto na face da terra, me senti o cara mais tarado da face da terra perto daquela explosão.

Fomos juntos no mesmo táxi, e eu espertamente já havia colocado meu braço sobre sua perna enquanto um amigo dela ia na frente, e fomos conversando qualquer besteira que não importava nada, ela percebia meus toques e sorria, e eu olhava profundamente seus lábios vermelhos e quentes, como que mostrando pra eles a quem eles deveriam obedecer a partir de agora. Ela ria, e ria, e mexia no cabelo, e eu ficava cada vez mais alucinado com aquela vozinha de garota que cursava jurisdizione, e que estava de férias voltando amanhã para Piemonte. Pegamos uma fila e todos dependiam do meu português para conversar com a moça da entrada da boate. Eu era o chefe da turma, a figura central, o mais importante. E como eu me sentia importante. E como eu queria mostrar para ela que eu era o mais importante. Ela me olhava admirada, admirada em seus dezenove anos de pura loucura, prazer e estrógeno.

- Marchinna, sim, sim, you're a più bella donna! E ela ria com jeitinho de safada fumando um cigarro português no ambiente externo. Já havia aproveitado todas as oportunidades para passar meu braço sobre sua cintura e dominar suas pernas selvagens com as minhas. E aqueles olhos azuis se tornavam cada vez mais parecidos com o mar que banha uma terra perdida de sonho. Foi quando ela tentou pegar minha cerveja e eu estiquei os braços para que ela se atirasse totalmente contra mim. E agora foi, finalmente, o beijo. Que beijo. Nunca tive a oportunidade de conhecer nenhuma droga que trouxesse a sensação mais fantástica e divina do que aquele beijo, de olhos fechados, sentindo o pulsar daqueles seios assustados, desvendando todo o resto daquele corpo misterioso e desconhecido, com a música colors do gui boratto tocando ao fundo. Eu vou morrer com essa sensação guardada em meu corpo eternamente. Com aquele perfume que, imagino, era o de incensos acesos para uma deusa romana qualquer há muito tempo atrás. E depois aquele olhar de anjo tomando minha carlsberg. Arrumando novamente o vestidinho de flores. E as estrelas a nos observar, espantadas. Foi quando percebi, rindo como se tivesse ganhado na mega-sena, que os amigos dela todos a aplaudiam e conversavam aquela conversa rápida e cantada dos italianos. Bem, não eram só as estrelas que nos observavam durante o tempo todo que ficamos juntos. O amigo dela do banco da frente do táxi a chamou e ela saiu de perto de mim, rebolando mais do que qualquer brasileira, (e olha que eu sou um cara bastante nacionalista) olhando pra trás me dizendo para esperar.

Aonde estão meus amigos austríacos? Estavam lá, tímidos como os portugueses, have you guys seen that? eu perguntei, eles disseram que não, o quê, e aí contei a história toda, eles estavam meio cansados. é o spleen desse povo do meio da Europa pra cima, pensei.

-I have a boyfriend back in Italy, I have to go, me disse Marchinna, antes de ir embora. Eu não me importava com mais nada no planeta naquele momento, eram umas cinco da manhã e eu iria para o Porto no trem das oito ou nove naquele mesmo dia.

-I won't forget you, disse finalmente, ao que ela me respondeu alguma coisa meio em inglês e meio em italiano que queria dizer que as garotas de Piemonte são as mais belas do mundo. Nunca se esquece.

Estou a ver navios indo para a Itália até hoje, ouvindo Carla Bruni, Laura Pausini e quaisquer outras mulheres que cantem em italiano com uma voz sexy como aquela que suspirava comigo alguns dos momentos de maior sinestesia da minha vida. Marchinna, Marchinna, più bella donna, I won't forget you at all.