O ENFADO ENTOJADO
 
Acabei de receber, como gentileza de nosso amigo escritor Luís Antonio M. Soares, recantista de quatro costados, o livro “Nem Te Conto – Novos Casos da Justiça do Trabalho”. 
Capa, belamente ilustrada aos moldes do teor do livro; o interior, composto de papel de boa qualidade, e os casos, bem à caráter do estilo franco, direto e espirituoso do nosso escritor.
Gosto, por princípio, quando folheio um livro, dar uma espiadela geral rebuscando as chamadas abaixo dos capítulos, casos etc. No livro do Luís Antonio, cada caso foi enriquecido por uma dessas chamadas. 
O autor pesquisou vários depoimentos de escritores e escritoras renomadas que deixaram suas impressões e experiências da arte de dar vida e sentido ao mundo inanimado das palavras.
Veio-me, então, a reboque, um depoimento de Cecília Meireles a respeito. Indagada como desenvolvia seus textos a autora de Viagem respondeu: “Tudo parte de uma simples palavra “apelativa”, uma boa frase de efeito...por aí. É exatamente partindo desse núcleo que se desenvolve o todo."
 Pois bem. Meses atrás, vi no programa Pânico na Tv, uma moça toda insinuante, ares enojado, erguer a mão esfregando os dedinhos como se tivessem melados de merda. Após um ligeiro remelexo disse ao colega: “Credo, fulano, isso é muito rural!... É muito Lima Duarte!” Tamanho era o nojo e o desprezo ao que o cidadão falara ou apresentara do mundo sertanejo que imaginei:
“Quanto enfado entojado!”
Campeava, no gesto, certa intolerância culminando por um desprezo capaz de pisotear a referência sob os saltos de um Luiz XV.
“Enfado entojado!” Achei a frase interessante. Guardei-a. Não achava, porém, oportunidade para desenvolvê-la; e com certa razão ia me absolvendo, pois, entojo e enfado não têm muita fluência corrente.
Eis que, ao escrever a crônica “Quem é o Cara?” expus minhas preferências musicais. Como não podia deixar de ser, concedi espaço aos demais gêneros que não me agradam. Na liberdade de opinião há de se resguardar o respeito a outros credos também. Esta, a regra da boa convivência.
Em se tratando do que expus, a dissidência era visível e natural. E ela veio. Não esperava, entretanto, sua conotação estranha, raivosa. Percebe-se, nela, os mesmos ares da mocinha do Pânico da TV, enfadado e entojado. Se, aos vencedores cabem as batatas,  afirmação de M. de Assis, quem se interessa pelas abóboras referidas na crônica anterior?
moura vieira
Enviado por moura vieira em 29/11/2010
Reeditado em 16/06/2011
Código do texto: T2644362
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