O NOSSO INIMIGO

O velho ratão, que vivia no bosque, mandou o filho em busca de comida; recomendou-lhe, porém, que se guardasse do inimigo. O ratinho, na primeira curva do caminho esbarrou, de repente, com um galo; voltou, esbaforido, aos pés da mãe e, transido de susto, descreveu o inimigo como um bicho soberbo, de crista arrogante e vermelha.

- Não é esse o nosso inimigo - sentenciou o ratão. E ordenou ao filho que saísse outra vez.

- O segundo encontro do ratinho foi com um peru, que o deixou morto de pavor.

- Minha mãe, lamuriou ele, arquejando - vi um demônio enorme e empoado, de olhar terrível, pronto para matar.

- Também não é esse o nosso inimigo - tranquilizou-o a mãe, com docilidade. O nosso inimigo caminha silencioso, de cabeça baixa como uma criatura muito humilde, é macio, discreto, de aparência amável e deixa a impressão de ser inofensivo e muito bondoso. Se topares com ele, toma cuidado! Nunca se sabe o tipo de atitude que tomará em qualquer circunstância...

Não é por acaso que se diz: "O homem é o lobo do próprio homem..."

Conta-se a história de dois lojistas, inimigos ferrenhos. Suas lojas situavam-se frente a frente, na mesma rua, e eles chegavam a passar o dia todo sentados à porta, cada um vigiando o negócio do outro. Quando um conseguia um freguês, lançava seu sorriso de triunfo para o rival.

Certa noite, um anjo apareceu em sonho a um dos comerciantes e disse:

- Deus me enviou para lhe ensinar uma lição. Ele fará tudo que você pedir, mas saiba que seu concorrente do outro lado da rua, terá em dobro tudo que você conseguir. Deseja ser rico? Você pode ser muito rico, mas ele terá duas vezes mais sua riqueza. Deseja uma vida longa e saudável? Você terá, mas a vida dele será mais longa e mais sadia. Você pode ser famoso, ter filhos de quem se orgulhar, tudo o que quiser. Porém tudo o que você conseguir ele terá em dobro.

O homem franziu a testa, pensou um pouco e decidiu:

- Tudo bem, meu pedido é: FAÇA-ME CEGO DE UM OLHO!

Dizem que, duma feita, o Espírito Maligno apareceu a um sujeito e lhe disse:

- Estou aqui para lhe dar toda a riqueza do mundo, entretanto, dar-lhe-ei três chances para escolha: espanca tua mãe, mata tua irmã ou entrega-te ao vício da embriaguez...

- Nunca!, redarguiu, indignado, o homem. Espancar minha querida mãe, matar minha irmã? Nem pensar!

- Ora, disse o Maligno, por não haver outra opção, entrega-te ao vício da bebida!

O indivíduo achou que não havia nada de mais em tomar uns

tragos e, para ficar rico, preferiu a bebida.

Daí, embriagado, o pobre sujeito espancou a mãe e matou a irmã...

Em muitos lances da existência o homem tem demonstrado que não gosta de si; o quanto inocula em si mesmo os venenos de variada espécie que, ao longo do tempo, vão, pouco e pouco, aniquilando-o e, da mesma forma, tornando-o elemento de destruição, de discórdia, de maldade.

Disse, tempos atrás, veneranda mentora, em se referindo à onda de violência que grassa desenfreada, assustando a muitos:

- Nada disso deveria estar acontecendo; só ocorre pela dureza dos vossos corações. É o ambicioso que açambarca desmedidamente... É a insanidade travestida de lógica, etc., que causa este estado de tanta injustiça social...

Por isto tudo, é mais que imperioso descobrir e combater - numa guerra sem quartel - o inimigo que dorme em nossa intimidade, a fim de sermos agentes da renovação do mundo.

Até lá...

PEDRO CAMPOS
Enviado por PEDRO CAMPOS em 03/12/2010
Reeditado em 19/11/2012
Código do texto: T2650827
Classificação de conteúdo: seguro