Vamos Falar Sobre o Dia...

Vamos falar sobre o dia. A cadela fez suas necessidades pela casa toda. Cada canto, um trocinho. É de raça, yorkshide, nem sei se a pronúncia está correta. Apareceu aqui em casa pedindo comida e acabamos por adotá-la. Nosso coração é mole. Um dia adotamos um gato que veio engastalhado debaixo do carro. Um homem que viu e disse que havia ‘um gato grudado ali”. Aí adotamos. Era um gato novinho, preto, lindo, nem cagava em casa, e que foi morto por outro gato preto mais velho, que o estrangulou. Eu estava por perto, ouvi uns miados horrendos, e quando me aproximei vi o gatão preto maldito fugindo e o outro estrebuchando. Pobrezinho. Foi no dia em que gravei “O Vinho de Baudelaire” e “De Coração & Indignação”. Estava inspirado e triste. E me pergunto, quem veio antes? A inspiração adveio do sofrimento ou o sofrimento adveio da inspiração? Ou tudo não passou da mais pura piração?

Sei que gostávamos daquele gatinho preto, que nem teve tempo de crescer. Chamava-se Carniça. Era um poeta.

Dois homens estavam jogados na calçada; perguntei se passavam mal, um deles me respondeu que não, que estavam apenas bêbados. Ah, menos mal!, eu disse.

O homem é o mais sofrido dos cães! Desculpem o devaneio. Um besouro fugiu de mim, acendo o sétimo cigarro em vinte e sete minutos e seco a primeira garrafa de vinho. O maldito besouro agora mesmo tentou subir em mim. Nessa época do anos os bichos ressurgem das trevas e vivem por um período entre nós. Sua vida é curta e são insignificantes, servindo de alimentos para outros animais e morrendo bestamente, como os malditos besouros, que ficam morrendo com as pernas pro ar.

A família do Neguinho veio de novo me questionar sobre o seu caso, desta vez representada por sua irmã, que me disse aos prantos (fiquei chocado): vou assumir a culpa só pra tirar ele da cadeia; vou falar que a droga era minha; vou deixar tudo pra trás, meus filhos, e vou lá falar que era tudo meu! E quando terminou, desabou num choro desalmado.

Preso há oito meses, o Neguinho nem sequer teve reação: denúncia anônima; flagrante delito; tráfico de entorpecentes.

Os legisladores precisam repensar a lei quando se trata de denunciadores. Muitas das vezes estão enganados com relação aos acontecimentos. O Neguinho não traficava, era viciado. No entanto fora surpreendido com dezenove cápsulas de coca. Era primeiro dia de carnaval, coitado, sendo que ele havia pegado essa quantidade para aproveitar, se é que podemos dizer assim, as cinco noites de festa. Porra, pensei, dezenove cápsulas de coca para cinco noites daria o equivalente a quatro cápsulas por dia! E olha que em seguida. Êta neguinho cheirador! E a família nunca quer acreditar.

O Neguinho realmente gostava do negócio, porém, confundido com traficante, por denúncia anônima infundada, está lá encarcerado há aproximadamente nove meses. Vamos rever essa porra de lei que favorece os “maiorais”!

Estou com tensão nervosa. Algumas coisas acumuladas têm me tirado o sono. Ainda bem que existe a música e o álcool para me acalentar. Não sei se o vinho vai ser o suficiente. Comprei apenas duas garrafas. Quando fico assim gosto de tomar logo umas cinco ou seis.

Coincidentemente, correlacionando “O Vinho de Baudelaire”, “Sideweiss”, hoje veio até minha porta um vendedor de vinhos, o mesmo que há algum tempo visitara meu pai, e, por sinal, vendia ótimos vinhos, o “Del Rey”.

Quando a secretária me avisou que havia um vendedor de vinho querendo me “oferecer uma degustada”, logo fui.

Aí misturou-se um bom produto com um bom vendedor, e não podia dar em outra, comprei. Ouço sons estranhos.

Bom, comprei seis garrafas de “Del Rey”, clássico, originário de Caxias do Sul, de uma família que cultiva vinícolas desde tempos imemoriais.

Parece pleonasmo, mas só pra realçar, é bom conviver com pessoas boas, e o interior nos proporciona isso. Você conhece o bicicleteiro, e toda sua raiz, o vendedor de vinhos, que é parente do Zé Ferreira, o Jesualdo do Armazém, que mexe com o ramo há mais de quarenta anos. Você conhece o padeiro, o funileiro, o marceneiro, a puta, o maconheiro..., você conhece meio mundo de tudo que te circunda. E por aí vai...

A vida vai mudando gradativamente. É muito estranho. Uma viagem alucinante...

Hoje vou assistir “A Viagem Maldita”, de um diretor que tive referência na capa de outro filme.

O que o corpo nos trás com o tempo não é a velhice, é o cansaço. A velhice nada mais é do que o cansaço. Podem discordar, aceito o contraditório e a defesa ampla; aceito a justeza, a lealdade do ser. Estou de alma aberta para tanto.

E chega de “Oasis”, quero a guerra! Ouvirei quem sabe “War” do U2, ou alguma dos Engenheiros do Hawaii...

Se você não “luta”, que saiba ao menos lutar!

Vou sentir saudades deste dia...

A trilha sonora foi composta por Joan Baez, Peter, Paul and Mary, Bob Dylan, Paul Simon e Jefferson Airplane. Meu Deus!

Savok Onaitsirk, sexta feira, 06.11.09, 20:32.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 03/12/2010
Código do texto: T2651358
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