Monarcas transportando escravo

Antigos apreciadores do Fusca devem se lembrar do eterno defeito que o carrinho apresentava, e desapareceu do mercado sem ter solucionado o problema, eu chamaria de “herpes mecânico”, pois é para sempre. Outro codinome cabível seria “um eterno amor”, cabível, mas ainda acho herpes mais adequado, e verdadeiro.

Todos os proprietários do brinquedo de transportes lembravam-se de levar, por cautela, um pano e uma garrafa de água, fatalmente a bomba d´água iria falhar e deixar todos os passageiros na mão, ou a pé, falando literalmente. A bomba esquentava, o carro parava, e o dono, pacientemente, molhava o pano trazido na boléia e, carinhosamente, abraçava a mencionada peça com o tecido molhado, sugerindo um brinquedo de corda, acabada a corda deveríamos novamente acionar o “brinquedo” ativando a peça propulsora, chato...mas vital.

Nem todos que se encontravam no carro tinham pelo mesmo o carinho que o dono sentia, e a bomba d´água fervendo, como se fosse a batuta de um maestro chamava um palavrão em coro, como eram impacientes e pouco amorosos. As falhas e os reparos eram um ritual a ser cumprido com entendimento.

Eu que sempre fui rígido nos utensílios necessários a um carro, sempre carreguei um canivete, um fósforo (eu não fumo), um rolo de papel higiênico, um cortador de unha uma garrafa d´água e um pano para abraçar a bomba quente. Hoje, decorrido mais de 10 anos do último Fusca, paro e penso que nunca me lembrei de levar um litro de água potável, água só para o brinquedinho, se eu parasse num deserto qual seria minha opção: colocaria o carrinho para funcionar, ou tomaria a água reservada para a bomba? Eis a questão...

Dono de Fusca, permanentemente usa o referido transporte para entregar “Curriculum Vitae” nas empresas, ser dono de Fusca é quase que sinônimo de estar desempregado, ou “mal das pernas”, acho que acabo de criar um apelido para o Fusca – Varizes, mas tudo muito carinhosamente, pois tive varizes, perdão Fuscas, por muitos anos.

Ao entregar um currículo numa entrevista, que seria realizada no salão de conferências de um luxuoso hotel, fui até o local valendo-me do carro “preferido”, e dei um voto de confiança ao meu meio de transporte, naquele dia não levei a garrafa de água ou o pano que a acompanhava. O meu voto de confiança não teve uma resposta fiel: a bomba de gasolina esquentou no pátio de estacionamento, gentis empresários, cavalheiros de ternos se prontificaram a empurrar meu carro para que ele pegasse no “tranco”, tradicional e eficaz mecanismo para fazer um velho carro, sem partida, funcionar, e funcionou, nem tive tempo, ou não pude parar para agradecer, e enquanto eles empurravam eu me senti um honorável Senhor sendo transportado em uma liteira, conduzida por bem trajados serviçais, fui importante por alguns instantes.

Ps: nunca fui chamado para aquele cargo, e sei que preenchia todos os quesitos estabelecidos para o desempenho da função; só não me recordo se faziam qualquer exigência quanto ao veículo a ser utilizado pelo empregado, para chegar ao local do emprego...não me lembro mesmo

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 08/12/2010
Reeditado em 08/12/2010
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