DESENGANO SUBURBANO

DESENGANO SUBURBANO

Ou Apenas um Canto Urbano com Reticências no Morro do Livramento, da Palmeira e da Granja – Acidentes GeoSociais de meu Rio de Janeiro, vistos de Belford Roxo

Sylvio Neto

"Senhor Presidente, não temo

Por meu mandato, não temo

pela verdade e não renuncio"

deputado Roberto Jefferson

"(...). Há aí, no breve intervalo, entre a boca

e a testa, antes do beijo, há aí largo espaço

para muita coisa, - e contração de um ressentimento,

- a ruga da desconfiança, - ou enfim o nariz pálido

- e sonolento da saciedade..."

Machado de Assis, Memórias Póstumas/ entre a boca e a testa

"O reggae precisa conter verdade. Se não for de verdade não rola"

Dida Nascimento, músico do Negril, em entrevista ao Sociólogo André Leite, 14/06/05

Ontem à tarde (terça,15 de Jun 05), assistia na Rede de Tv Bandeirantes, o bom projeto de Mídia e Educação da MultiRio, empresa de multimeios da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, com o Programa Rio a Cidade, apresentado por Kátia Chalita, com o tema Subúrbio que contava com a presença de dois ilustres convidados: Sérgio Cabral (o pai, não o patético defensor de velhinhos, o filho senador) e um antropólogo, que tem se especializado neste tema.

Os entrevistados discorriam de forma sublime e alegre - talvez uma imposição de estilo feita por Sérgio Cabral, talvez a própria riqueza e alegria do tema impondo-se imperativa - quando o programa foi interrompido para a transmissão de também importante fato da política nacional, fato que concorria na mesma categoria do programa interrompido, o arquétipo da cidadania brasileira, a forma autóctone do comportamento sócio-político nacional, tendo como figura central e protagonista o carioca e deputado Roberto Argh Jefferson, Presidente nacional do PTB, extremo dissonante da alegria e da irreverência suburbana a que estariam discorrendo Sergio Cabral (o pai, o pai, pelo amor do Rio) e o então antropólogo, pois que estava ali a discorrer sob as possíveis injúrias a que teria exposto deputados do PP, PL e dirigentes do PT, estava ali, para apresentar provas do que existe de pior no Brasil, a sujeira política que se arrasta, lastra e medra a cidadania que Sérgio Cabral, o antropólogo e Kátia Challita tentavam desobliterar dos olhos vendados de parte do alunado, educadores e cidadãos que aquele programa assistem.

Lá vem a convergência. Estaria aqui, a presença física evocada por forças ditas espirituais ou de quaisquer origem, do grande suburbano Machado de Assis? É, ali no centro da entrevista ou lá no Congresso Nacional, na comissão de ética. Estaria sua presença calçada, vestida, travestida em Kátia Challita, no deputado Presidente da Mesa, em Sérgio Cabral, no próprio Roberto Argh Jefferson ou no ilustre antropólogo? Bem, ao menos sua virtual e inteligente irreverência, sarcasmo e asco estavam. A presença interativa da imagem e do som, poderiam soar como um conto ou romance machadiano, onde interesses conflitantes originam impasses metafísicos reunindo orgulho, ambição, piedade, dinheiro, falsidade, falta e excesso.

O amigo e sociólogo André Leite, disse-me ainda ontem, que meus textos assumiram uma característica de difícil entendimento. Por que André? Porque misturo, porque ouso fazer convergir tramas e temas, desconstruíndo e construindo, pequenos espetáculos de 2 ou 3 laudas?Ë como despir a roupa suada do dia, tomar uma ducha e vestir-se com outra roupa, qui ça mais confortável ou apertada, neutra ou colorida...A roupa é sua tanto quanto o texto, eu só o escrevi, não o tenho mais, após ter sido lido. Após lido, é vosso... A morte e a vida, o choro e vela também.

Sérgio Cabral, citou Tom Jobim que admitia mais charme e alegria nas ruas do Rio ainda sem a presença dos automóveis, no tempo das carruagens e charretes. Esta citação surgiu para realçar um comentário anterior que relacionava a presença dos moradores nos portões, a bater papo e a cantarolar com a presença dos violeiros ao fim da tarde.

Os encontros festivos ao longo das linhas auxiliares da Central do Brasil, alimentados por comidas cantadas como tendo sabores e odores inigualáveis pelos músicos, artistas lugar comum, donos dessas horas impagáveis de alegria, informação e de formação cultural, deste Rio de Janeiro, suburbano.

Roberto Jefferson, criatura caricata da política nacional - mas oriundo daquele mesmo Rio a que saudoso ainda encontra lugar e existência em alguns recantos dos bairros ao longo da linha férrea (Oswaldo Cruz, é um deles) Sérgio Cabral , - é um dos articuladores, criadores de um formato político onde a construção de uma necessidade por conta da omissão do Poder Público desconstrói aquelas varandas envioladas, aqueles portões seresteiros e aqueles encontros musico-gastronômicos do subúrbio que tanto cedeu a Cidade do Rio de Janeiro títulos honoríficos de terra de bamba de alegres sambistas.

Aqueles que não se entregam ao cansaço de uma noitada e seguem de trem a labuta diária nas fábricas, construções e oficinas de costura para na noite encontrarem-se mais uma vez com as notas sincopadas de canções com temas machadianos. Aqueles que tem o prazer de serem chamados malandros, vagabundos pelos irmãos federativos de São Paulo, voltam em cansaço e samba no trem festivo ao batuque do pandeiro e tam-tam cortados e enfeitados pelo ritmo harmônico do cavaco, bandolim e do violão.

Este Roberto Jefferson e aquele mundo sujo da qual faz parte, não sabem que o trem da central do Brasil, despeja também aqui, na Baixada, um bom milhar de passageiros que ajudaram a compor o mosaico artístico, afro-descendente que na expressão artística de formatos variados encontram espaço para desenvolver o encontro com suas origens em África, Europa, América Latina e com o Nordeste, Norte, Sul e Centro-Oeste do Brasil.

Aqui na Baixada, ainda se pede ao vizinho um ovo, uma colher de açúcar, ainda se compra fiado no armazém (vá lá no Zé Américo) e ainda rola festinha americana com sacanagem e tudo (tira gosto feito com azeitona, salsicha, cenoura e cebola enfiados em um palito). Eu, Sylvio Neto, tenho ainda a oportunidade de ver ao abrir o portão da casa e sair a rua, o seu Evangelista pai de mais de onze filhos (alguns já no tártaro outros no céu), colegas do tempo de moleque onde ouvíamos estórias da roça contadas por seu Pedro (sogro de seu Evangelista), brigávamos pela rapa do angu feito por dona Antônia (mulher de seu Pedro e avó dos garotos):

Bom dia seu Evangelista, que horas são aí??

Oi, meu filho, bom dia, são 10hs

E continua a ler sua bíblia, já se vão vários anos de conversão e já se foram os bons e saudosos anos em que fora palhaço da Folia de Reis.

Olho para o lado e lá vem o Cridy, um negão grandão que é um arquivo humano vivo do movimento soul,: - fala aí Crid, como anda o programa de rádio?? - : ta maneiro, e os movimentos?? - : Na luta Crid, na luta.

Corto rua, saio em rua, cruzo a praça (descuidada, agonizante e quase morta) vejo passar com vidros fechados e filmados um lindo carro vermelho importado, é o Lauro do Rappa, vez em quando seu irmão o Bino, do Cidade Negra e também Lazão e Gama, também podem ser vistos, visitando os seus. Passeando com o cachorro, Eddy MC e Nino do Nocaute. Chegando a casa cansado, de mais um show, as 07:00 hs da madrugada Júlio César EletroSamba Bellyenne,: - fala aí, Imperador da quatro!! - : Qual é Poeta??Já musiquei aquela letra, passa aí mais tarde...Vou dormir um pouco.

Chego a casa e antes de abrir o portão, Marcinho 100%, agarrado ao violão, com o velho sorriso maroto, passa...antes de fechar o portão o Eliseu vem com um saco de cajá: - toma é para sua mãe. Minha mãe é a Jureminha, apelido carinhoso de Dna Arlete – mulher de luta, que sempre lavou roupa para fora e que quando eu era criança, via já chegando da Zona Sul onde ia entregar a roupa lavada e passada, na hora em que eu ia para a escola, as 06:00 da manhã – gostava de ir a sua casa brincar de ThunderBird’s, Banco Imobiliário e bola com Ediarte, Edivaldo e Ronaldo, presentes que ganhavam no fim de um ano de pagamento (sem prêmios milionários) do Baú da Felicidade, pagos em dia por Dona Arlete e Dindinha. Minha mãe, toda manhã, cuida do jardim, daí, Miltinho escrever as Rosas de Jurema, para dizer que ali, naquele ato de minha baixinha está deus (vou conceder a graça de grafar com D maiúsculo por conta disto – onde se lê deus , leia-se Deus) .

A Baixada Fluminense, na transferência geofenomênica da conurbação, via Belford Roxo, ainda assiste a alguns episódios aventados por Sérgio Cabral, como sendo típicos do Subúrbio e próximos da extinção pelo que segue ao inexorável processo de tecnocratização no chamado progresso. Aqui ainda não experimentamos ao execrável domínio das facções que atormentam o Rio de Janeiro, embora elas aqui, existam, ainda não conseguem me/nos impedir de ir ao Morro da Palmeira ter com Cilinho, mais um da família Farias (rebentos de seu Otacílio, pai de Lauro Farias e Bino Farias, já mencionados anteriormente) para bater um papo, compor uma música e tal. Posso ir a Pian, ter com Mauro ( Maria Preta), com Dida (Negril), Emmerson (ex- Cabeça, Roger) posso ir ao morro da Granja ter com João Mathias (Maria Preta) com Reinaldo ( ex-Cabeça de Nego, Babilaque, Sambramaica), posso quase tudo naquilo que me fortalece, a cultura.

Os grandes vetores de interferência, incompetência, descaso e omissão sócio-cultural na Baixada Fluminense e subúrbios da Cidade do Rio de Janeiro são os vetores políticos, senhores do escravo urbano que somos nós, senhores que se apropriam do formato estilístico, expressões e demais texturas sócio-culturais para demandar em proveito próprio. Processo incólume de desconstrução cultural, para uma colonização contemporânea de caráter criminoso e vil.

Mas, como nem tudo está perdido, é preciso realçar a competência da matéria do programa apresentado por Kátia Challita na presença rica de Sergio Cabral, que junto ao meu dia a dia e a sujeira do seu Jefferson e quadros do PT, PP e PL me fizeram ver a riqueza cultural preservada na insistente luta arcadiana de atores e agentes invisíveis aos olhos da mídia e da população cega pelos plim plim da vênus platinada. O impasse machadiano de nosso dia a dia, na convergência dos conflitos de minha Baixada, do subúrbio carioca com a política nacional.

Sylvio Neto
Enviado por Sylvio Neto em 21/06/2005
Código do texto: T26648