A SAGA DOS PAÎAÎÁ

Os Paîaîá formavam uma grande nação cujos domínios se estendiam pelo vale do Rio Paraguaçu, terras que começaram a ser cobiçadas pelo branco a partir do século XVII. Eram também conhecidos como Maraká ou Marakanasú.

Falavam o dialeto Paîaîá, uma das línguas da família lingüística Kiriri, do tronco lingüístico Macro-jê. Os outros dialetos mais conhecidos eram o Sabuîá e o Kipeá. Para os colonizadores eram generalizados como tapuias, denominação dada a todas as nações que não pertenciam ao grupo tupi-guarani.

Eram, portanto, um dos povos "Kiriri" (kiririm), denominação dada a esses pelos indígenas de fala tupi, que significa, calado, silencioso, taciturno. E esse era o temperamento dos Paîaîá, tanto quanto os dos outros Kiriri.

Como os Paîaîá eram os Kiriri que viviam mais próximos do litoral, foram os primeiros a perder suas terras, a ser conquistados e dizimados pela expansão da agricultura no sertão da Bahia. Seus domínios iam desde o vale do Paraguaçu até os limites com Sergipe.

Em 1553, o imperador D. João III doou ao fidalgo Antônio Guedes de Brito, mestre da Casa da Ponte, as terras de grande parte do sertão do estado da Bahia, terras essas que pertenciam aos Paîaîa. Essas terras iam até os limites com o estado de Sergipe. A partir daí começou o desbravamento da região de Irará. As entradas de Guedes de Brito foram invadindo o território Paîaîá, “amansando” esses indígenas para que fossem a mão-de-obra escrava, ou exterminando-os em guerras cruentas. Os índios eram tidos como estorvo ao desenvolvimento da região e por isso mesmo eram expulsos para possibilitar a colocação de colonos produtores no local.

Os sesmeiros e curraleiros invadindo as suas terras e aprisionando-os acreditavam estar “amansando” esses indígenas, mas na realidade esses índios apenas reagiam à violência dos “brancos”, seus inimigos.

Os direitos humanos dos indígenas nunca foram respeitados, afinal, o índio nem era considerado um ser humano, por isso mesmo era caçado no mato para ser escravizado. A cultura indígena nos deixa uma grande lição respeito e de amor à natureza. O índio não se considera dono de nenhum vegetal ou animal. A caça, a pesca, a colheita de frutos, a plantação, para o índio são apenas para suprir as suas necessidades básicas e de alimentação. Animais eram livres, não tinham dono; por isso eles caçavam os animais das fazendas. Eles sabiam que os animais fazem o mesmo: só caçam por necessidade de alimento. Eles não entendiam a noção de "domínio" preconizada pelo branco.

O governador geral Thomé de Sousa propôs a separação da pecuária da plantação da cana-de-açucar, impulsionando a criação de gado para o interior. Isso foi feito nos séculos XVII e XVIII.

Em 1717 foi criado o aldeamento da Purificação (hoje sede do município de Irará) para abrigar aqueles índios “domesticados” sob a proteção de jesuítas que vieram para catequizá-los, inserindo-se no cristianismo.

Mas os índios não se deixaram dominar tão facilmente. Eles conseguiram descobrir os ardis dos colonos e começaram a atacar o gado e os engenhos de cana de açúcar da região. Os colonos viviam em constante receio de ataques dos Paîaîá que apareciam inesperadamente.

Quando os jesuítas foram expulsos no ano de 1759, novas vilas foram surgindo na região e a população indígena foi sendo inserida aos poucos à população dos colonos que também tinham sangue indígena. A essa população foram se juntando os negros fugidos de engenhos e da capital, formando com o passar do tempo comunidades quilombolas de negros mestiçados com os índios, como é o caso da comunidade de Crioulos, na Serra de Irará.

Com a gradual expulsão dos Paîaîá de suas terras pelas entradas e pelos sertanistas, foram surgindo vilas, fazendas e currais. As entradas que se embrenhavam para o sertão foram as principais responsáveis pelo extermínio da nação Paîaîá.

Depois da expulsão dos jesuítas, no século XIX, todas as terras demarcadas e as aldeias habitadas pelos Paîaîá foram cobiçadas pelos invasores e tanto os indígenas como os escravos fugidos que viviam nessas terras foram incluídos à população. Os Paîaîá que ainda viviam em seu “habitat” natural foram perseguidos, exterminados e aqueles que conseguiram se embrenhar pelo mato, muitos deles passando a viver como caboclos, empregados de fazendas de gado da região, perdendo sua identidade, sua língua e cultura por medo de serem torturados ou mortos pelo simples fato de serem índios.

Hoje os Paîaîá encontram-se dispersos em vários pontos do Vale do Paraguaçu, em Salvador e em vários pontos do país. Enquanto alguns grupos ressurgidos procuram reunir os seus parentes, muitos nem se recordam de suas origens.