O Caminhão da Coca-Cola

o caminhão da coca-cola acabou de passar pela rua fazendo um escarcel "da porra", como diz o pessoal daqui de Brasília. é legal, eu vi do alto do meu apartamento, mas antes de ver que era o caminhão da coca-cola eu fiquei meio puto com o barulho. a primeira coisa que a gente pensa, aqui na asa sul: quem é esse playboy filho da puta querendo tirar onda? não respeita ninguém e nem deixa a gente em paz. virei pra ver se via o carro do tal playboy e era o caminhão da coca-cola. prestei atenção uns vinte segundos e fui tomar banho, tinha acabado de chegar da academia, estava um traste. tomei banho, o chuveiro estragou. a água esfriou de uma vez bem no meio do caminho e eu saí quase que correndo, nesse momento já estava totalmente indignado. mas o caminhão da coca-cola não tinha saído da minha cabeça, por algum motivo que até então desconhecia. esta era a condição na qual me encontrava há mais ou menos uns quarenta minutos atrás.

- o caminhão da coca-cola passou aqui, com papai noel e tudo, minha mãe me disse, com um sorriso bobo no rosto, enquanto eu fazia um sanduíche de presunto. foi aí que me lembrei o que é que aquele caminhão significava.

- isso me traz uma lembrança meio tenebrosa, respondi imediatamente, mudando a expressão do rosto na mesma hora, sem perceber. minha mãe olhou pra minha cara fazendo aquela cara de "não quero nem imaginar o que é que ele passou", e foi-se embora para o sofá. continuei na cozinha, imbecil, pasmo.

o que diabos esse cara tá lembrando meu Deus do céu? você já está se perguntando, não é? é, eu sei. pelo menos eu estaria me perguntando se eu estivesse lendo esse texto, sendo o ser ansioso e estressado que sou numa quarta-feira à noite. era da Evinha. este ser que tanto me cativou e que, até o momento em que o caminhão da coca-cola passou, temia até mesmo pensar no nome.

exatamente um ano atrás (eu sou homem, não vou me lembrar do dia, mas sei que foi em dezembro), saí pra uma festa qualquer, um encontro de amigos de amigos. eu já a conhecia mas nem tinha ideia de que ela estaria lá. nesta época, ano passado, já fazia uns 4 anos que a gente nem se via e nem sabia nada da vida um do outro. vai me doer muito escrever essa história... mas já que eu comecei, agora vou continuar. ela estava lá. ela foi a estrela da festa; eu também estava entre os poucos homens heterossexuais do lugar e era de longe o mais bonito, embora não o mais modesto. isso fez com que ela prestasse atenção em mim. eu já havia dado toda minha atenção pra ela. estávamos num restaurante na beira da rua, quando o caminhão da coca-cola passou. - TEM PAPAI NOEL E TUDO! ela falou, bem alto, ao seu estilo característico. a mesma frase que minha mãe falou, com o mesmo rosto. (que freudiano, alguns leitores vão pensar) ela não parou de tirar fotos, como se fosse o maior evento do mundo. ao mesmo tempo que eu a achava totalmente boba eu a achava totalmente encantadora. naquele momento me convenci de que ela tinha tudo que eu precisava. principalmente o fato dela ser loira, sexy e pequena, ou seja, todas as características que mais me atraem numa mulher. - É FELIZ, ALTO ASTRAL E TUDO! eu pensava, silencioso, mãos no queixo e sorriso dissimulado, mas pulando por dentro e querendo tirar fotos dela tanto quanto ela tirava de tudo.

no final daquela noite ela me abraçou e disse pra não sumir não. comentei no mesmo momento com o amigo com o qual voltei. foi instantâneo, como ele é um dos meus melhores amigos, tive que confessar. - cara é essa a mulher. ela é tudo que eu quero.

- moleza, ele respondeu. e a conversa ficou nisso. ele começou a falar de uma ex dele, cheio de amarguras e problemas, ele contrastou muito comigo e com ela naquela noite. mas eu o ouvi feliz, satisfeito. ele merece, no final daquela noite abri mão da minha alegria um pouco. mal tinha bebido, aliás. só tinha conseguido me concentrar na Evinha... é, se alguém me procurar e procurar por ela através de mim, vai achá-la, pois esse nome é real. vão achar...

começamos a nos falar. e Brasília começou a falar um pouquinho mais alto entre nós dois. em janeiro já estávamos nos ligando. tentamos marcar de sair duas vezes. olha só a ironia: eu deixei de sair com ela, queria MUITO sair com ela, mas tinha um concurso no dia em que ela podia sair. eu fiz a porra do concurso e passei. e aí depois disso foi uma dificuldade danada pra gente, começamos a ficar um pouco mais distantes, ela com compromissos do seu trabalho, eu com os meus. ela com os sonhos dela, que tentaram, por um tênue momento, se unir aos meus, e eu com os meus, que quiseram se unir aos dela. foi tanta coisa.

depois, conseguimos ficar finalmente, numa tarde ensolarada. uma das mais belas tardes da minha vida. essa parte é a mais difícil de escrever, não vou conseguir descrever tão facilmente como foi com a italiana. ou com as outras todas que eu já descrevi. está me dando até tontura. mas é óbvio, pra quem lê agora, que eu gostei pra caralho. o ápice do caso todo: FOI MEU GRANDE ERRO. não tem quem me faça entrar na cabeça que se apaixonar é a causa de todas as desgraças no amor. eu sei que a gente realmente não pode demonstrar os sentimentos, mas dentro de mim existe essa veia podre, maldita, poética, sonhadora, que insiste em dizer que eu tenho que encontrar alguém com o qual possa ser sincero. foi o que me envenenou com ela. depois que a gente ficou, eu fui mantendo numa boa, fui levando friamente, até onde eu aguentei. um outro dia que a gente marcou de sair ela viajou e ficou não sei quanto tempo fora de Brasília. e aí a paranóia tomou conta. ela era tão perfeita.

ela voltou. e todas as outras tentativas de sair com ela deram errado. e eu fiquei puto, e muito mal. ah é, a gente até se encontrou numa boate uma vez, mas ela não ficou comigo e nem com ninguém. foi um dia desgraçado e tanto, digno de memória - a sensação é comparável a de um torcedor do Inter que pagou uma grana absurda pra ver seu time perder pra um time da África, do outro lado do mundo - eu já escrevi sobre ela antes aqui, mas nunca tinha usado o nome dela, e foi na época. nunca mais eu esqueci. eu amei de verdade, foram poucas vezes na vida que eu amei. que coisa mais gay, falar isso é tão ridículo, é tão fraco e impotente admitir esse sentimento por alguém que não retribuiu que eu tenho vontade de apagar o texto inteirinho. vontade eu tenho, sinceramente. mas, por mais que eu faça isso, até na minha cabeça, sempre volta um caminhão da coca-cola, no ano que vem ele vai voltar, mesmo que eu esteja em Paris, Manaus, Tóquio, inferno (aliás, a coca-cola deve ter realmente uma filial até no inferno). o caminhão da coca-cola sempre volta, e COM PAPAI NOEL E TUDO.

e a pior conclusão é que eu voltei à estaca zero, não tenho mais a menor ideia de onde ela está, acho que ela apagou o orkut. e tenho quase certeza que nunca mais a gente vai se encontrar. suspiro profundo. outra conclusão é que eu vacilei porque demonstrei meus sentimentos. um homem que demonstra sentimentos não é tão homem assim, é? é uma bicha. às vezes eu me odeio por tê-la perdido, Evinha. eu nunca vou me perdoar por você e por umas duas antes de você, que vinham com papai noel e tudo. numa hora dessas eu leio "Sometimes Suicidal" da Aimee Delong e me compreendo plenamente. o que é mais bicha ainda.

já que a cada parágrafo eu me complico mais, eu vou parar por aqui. essa foi a história da Evinha, acho que registrada aqui, como no retrato de Dorian Gray, eu vou me livrar de todas as cenas e frustrações da minha cabeça, deixando-as aqui enterradas nesse texto.

nem sempre a gente pode ter aquilo que a gente quer. o que eu tinha escrito ontem sobre a beleza estar cada vez mais distante de mim é que a cada experiência dessas que eu passo eu aprendo mais, mas as oportunidades na vida diminuem. quando eu for o cara, rico, tiver tudo que eu precisar e conseguir a mulher que eu quiser, eu vou ter mais ou menos uns oitenta anos, e nem preciso explicar o resto.

Evinha. você fez isso tudo comigo hoje, mas eu sei que não foi sua culpa, e que se você ligasse pra mim de novo eu ia ser o cara mais feliz e doido do planeta terra. Evinha... você é o meu caminhão da coca-cola (você iria rir pra caralho dessa frase, consigo imaginar seu sorriso perfeitamente, eu nunca ia ter coragem de falar isso pra você, mas seria hilário!). sem você meu natal não vai nem ter propaganda. vai ser um natal tão chato quanto o da época em que o próprio Jesus nasceu. difícil vai ser terminar esse texto hoje, olha que eu nem bebi pra contar essa história.

"... e por falar em beleza, onde anda a canção que se ouvia na noite, dos bares de então, onde a gente ficava..." Termino ouvindo essa canção de Vinícius, que será eternamente dela e de todas as mulheres que amei. e não tem como escapar mesmo: a única bebida gelada na minha geladeira é uma lata de coca-cola. e eu tô morrendo de sede...