Beiradas do Rio de Janeiro, no Centro do Rio.

Horário do almoço, segunda-feira. Deu aquela vontade louca de desbravar o Rio, o Centro do Rio. Às vezes isto acontece, tem dias que bate aquele sentimento fortíssimo de liberdade e tento exercê-la logo, no meu horário do almoço. Hoje foi assim.

Resolvi fazer uma caminhada pela orla do Rio, aqui no Centro da Cidade. Saí da Rua do Mercado, em frente à Bolsa de Valores, que não funciona mais como Bolsa de Valores. Atravessei a Praça VX, pela diagonal. Dei aquela meia trava quando aproximei-me da Livraria do Paço. Resolvi não entrar senão me desviaria do objetivo.

Segui pelo sentido inverso da Rua 1º de Março para invadir a Av. Antônio Carlos, que antecede a extensão da Rua 1º de Março em direção à Praça Mauá. Parei em um sinal, semáforo, em frente ao edifício garagem Menezes Cortez. Atravessei a av. Antônio Carlos e segui pela calçada pavimentada, que ladeia os enormes edifícios destes quarteirões. Encontrei a Av. Nilo Peçanha abarrotada de carros apressados. Deixei-me levar na onda do movimento da mão chegando à Av. Rio Branco.

Gosto da Av. Rio Branco. Sempre que saio no horário do meu almoço dou um jeito de fazer cócegas em seus meio-fios. Até já escrevi algo sobre ela. Gosto de sentir aquela massa de gente esbarrando os braços, tropeçando nas bancas dos camelôs e, quase sempre apressadas, fingindo irem para algum lugar certo. Eu aposto que a maioria delas não tem para aonde ir no horário do almoço. Aposto que elas, como eu, saem de seus escritórios para fugirem da iluminação das lâmpadas fluorescentes e mergulharem nos raios solares quentes do Rio. Pois é, hoje, especialmente, eu estava no burburinho da cidade fazendo esta aposta.

Segui pela Av. Rio Branco chegando logo na simpática Cinelândia. Atravessei, também pela diagonal, a extensa praça até o canto extremo direito, quase na toca do Metrô, chegando ao Cinema OdeonBR. Espichei os olhos de soslaio para espiar o cartaz do famoso cinema. Sempre faço isto quando estou por ali jurando que mais tarde irei assistir o tal filme em cartaz. Nunca cumpro esta promessa, apesar de ser aficcionado em cinema. Acabo indo ao OdeonBR aleatoriamente em outras ocasiões.

Entrei pelo Passeio Público e joguei-me na antiga, charmosa, convidativa e completamente cercada praça. Para fingir que tinha o que fazer por lá, saquei o meu celular com a conta vencida, e olhei para o seu visor vazio. Não me animei em discar. Não podia discar, não queria discar. Claro, ou melhor, famigerada Claro.

Rodeei o Passeio Público pelo seu interior observando os garis tentando insistentemente juntar as folhas secas amontoadas para serem levadas ao lixo. Gosto deste lugar, vez outra vou até lá, sento-me em um dos banquinhos e fico observando as pessoas apressadas no intenso desfile no horário do almoço.

Logo saí do parque do Passeio Público, e fui novamente surpreendido pelos fortes e brilhosos raios solares. Agora contornei o parque pelo lado de fora em direção ao final da Av. Rio Branco. Ela morre aí, no início do Aterro do Flamengo. Aguardei na sombra o último sinal abrir e a atravessei apressado, quase correndo, em direção à Av. Churchull.

Segui espiando as capas das revistas e jornais nas diversas bancas ao longo desta avenida. Especialmente olhei para a última banca da Av. Rio Branco, é uma banca temática sobre Blues. Nos finais de semanas, principalmente às sextas-feiras, este ponto do Centro do Rio fica abarrotado de pessoas curtindo o som, regadas de bebidas e paqueras.

Apressei o passo e atravessei, novamente, a Av. Antônio Carlos embrenhando-me em direção ao hospital da Santa Casa.

A orla do Rio

Resolvi ir em frente em direção ao Mar até não dar mais para andar. Isto mesmo. Às vezes eu achava que a rua não teria saída, mas deparava-me com uma curva quase escondida. Observei o último prédio antigo do conjunto de prédios da Santa Casa. Era o prédio do serviço funerário. Apressei os passos e cruzei por ele rapidamente desembocando no Mar.

Diversos barquinhos, ou melhor, canoas balançavam ao sabor da leve onda e vento fraco. Os remos cruzados sobre a proa sugeriam terem sido utilizados recentemente. Uma rampa de pedra em direção ao mar abrigava uma família de pescadores, que preparavam seu almoço protegidos do Sol por uma barraca branca encardida.

Fiquei surpreso com a vista, pois não esperava encontrar uma colônia de pescadores postada bem ali no Centro do Rio de Janeiro. Fui caminhando lentamente sobre a argola de pedra que determinava o limite do continente e o Mar. Foi a primeira vez em que estive neste lugar.

Olhando para todos os lados encontrei um restaurante histórico, perdido no meio dos diversos estacionamentos públicos e particulares que inundam o local. Aproximei-me para ler a placa de identificação com as indicações históricas do local. Dei uma espiada ainda para dentro da construção, mas não entrei. Observei o cardápio fixado na parede, pelo lado de fora. Os preços pareciam salgados. Deu aquele vazio no estômago, pois estava sem almoço, mas não dava tempo para comer.

Continuei o meu passeio pela pedra úmida da orla, agora avistando, pelo lado direito, as barca que ligam o Rio de Janeiro a Niterói, desancorando-se do cais em direção a Niterói e Charitas, como constatei mais tarde.

Parei ali, de frente para o Mar, para identificar melhor as edificações que estavam ao alcance de minha visão. Avistei o Arsenal de Marinha, o prédio da Polícia Federal, mais a direita, este ainda aqui, no continente. Do outro lado da baía avistei as construções de Oscar Niemeyer, bem ao longe.

A ponte Rio – Niterói, arcada como uma lança dominava a vista. Imponente, com os seus carros parecendo formiguinhas escorregando lentamente sobre o vão central em direção a Niterói, parecia ser a dona daquele pedaço de Mar, e era.

Perdi-me no tempo nesta posição de observador do Rio. Voltei-me, agora, para o lado de dentro dando as costas para o Mar, para observar os prédios, imponentes prédios, exibindo também as suas costas para a baía. Algumas delas descascadas pelo Sol e intempéries, talvez pelas chuvas, ventos e o quase constante intenso Sol do Rio de Janeiro. Algumas construções, mais modernas, ludibriaram as intempéries cobrindo-se de espelhos em toda a sua superfície, causando um belo efeito de reflexo dos prédios vizinhos.

Veio-me uma idéia, que me pareceu brilhante: Por que não fotografar tudo aquilo? Talvez todos os cantos, beiradas e gretas do lindo Rio de Janeiro merecessem ser fotografadas. Com a cabeça quente pelo forte Sol, até vislumbrei umas mostras de fotografias minhas em exposições, pelo mundo afora. Devia estar delirando mesmo, pois não sou fotógrafo contumaz. Contudo, veio-me o tema: “Beiradas do Rio”. Pareceu-me um bom nome. Fechei com os meus botões que faria logo isto.

Retomei a caminhada, agora já beirando o ponto das barcas coberto pelos imensos e feios viadutos da Perimetral. Aproximei-me da bilheteria e perguntei a atendente para onde iriam aquelas barcas que ela vendia os bilhetes. Iriam para Charitas, um bairro de Niterói. Apesar de ser carioca da gema, confesso que nunca tinha me aproximado daquele ponto na Praça XV.

Contornei ao lado da bilheteria em direção ao Mar e aproximei-me dos diversos restaurantes bem cuidados e convidativos, com as suas mesas distribuídas no pátio a céu aberto.

Saí do local cruzando, em diagonal, a Praça XV e desembocando, enfim, na Rua do Mercado, lugar de onde iniciara o meu passeio.

Encharcado de suor, entrei na fila do elevador conversando com a Maxi, uma simpática colega de trabalho, que encontrei ali, na portaria do prédio terminado de tragar o seu cigarro.

Subi de elevador e rapidamente procurei o banheiro para lavar o rosto do suor da agradável e cansativa jornada no meu horário de almoço.

Olhei para a lâmpada fluorescente e sorri silencioso e debochado, de seu opaco brilho.