Saudade do beijo doce

Esta crônica foi inspirada em reportagem de Sandro Gomes no Jornal Notícias do Dia.

O diagnóstico preciso é cruel: leucemia. Internação e começo da luta.

Defesas fragilizadas não permitem abraços, carinhos. Toques de amor podem ser maus emissários para a mulher de azuis olhos internada no São José. Dos filhos, só a presença, mas ameniza a dor. A música afaga a alma romântica no coração germânico. O trabalho manual a ocupa e traz alívio em seu fazer. A fé é pilar, mas há lágrimas.

Antes, não queria participar das sessões de terapia ocupacional, mas aderiu e agora cuida de seu gato de feltro, enfeitando-o ainda mais. Através das mãos, lava um pouco da tristeza que nunca pede licença para se alojar no coração, mesmo dos fortes.

O azul dos olhos acompanha o sorriso dos lábios. Sorriso tímido, meio contido, mas de quem sabe que o melhor remédio é a esperança e que a felicidade está sempre aí, lutando contra as dificuldades muitas. Sorriso de querer guardar junto da gente para usar em momentos especiais, momentos de superação, que precisamos quando a alma se cansa.

Sente saudade de sua vida, de suas coisas, da neblina que cobre São Bento nas mais inesperadas horas, de ser útil, sente saudade. Mas há um vazio por companheiro naquele quarto, um vazio de excesso de amor. Melhor, criado por aquilo que os céticos chamam de excesso de amor, mas é apenas isso: amor. Um amor por tantos anos lavrado que não se quer e não se acredita sem o gesto: “Sinto falta do beijo doce de meu marido.” Como foi que se conheceram? Como foi o início, o primeiro beijo? Foi doce, já, ou somente arrebatador? Será que a doçura foi se adocicando com o passar do tempo e o aumentar dos beijos? Quantos deles foram furtivos, rápidos, escondidos, proibidos, quem sabe? E onde são guardados aqueles que não podem ser dados agora? Por amor, não podem ser dados, mas são embrulhados um a um, e guardados na caixa de urdir felicidade.

Aracy Linzmeyer Martens, 51 anos, triste por não poder sentir o doce beijo do marido! Tristeza abençoada. Invejada tristeza.