Limbo

vamos lá, mais um texto da sessão autobiográfica da minha vida de merda. uma vida que fez, até agora, muita gente feliz. mas que não conseguiu fazer da sua própria vida uma vida feliz. uma vida naturalmente concebida para isso. uma vida que, eis o ponto de hoje: uma vida que procura já há algum tempo um motivo pra não ser mais vida. mas tem que ser um bom motivo.

a primeira coisa que vem na cabeça é, lógico, as ex-namoradas, ex-amantes, casos que não deram certo, casos que nem chegaram a existir. vou colocar um fim na vida por elas. começo a ler meus poemas e crônicas desde as mais antigas pra relembrar com amargura todos os nomezinhos que me apertaram o peito. foram tão ínfimas. imaginar meu sangue derramado, minha cabeça estourada no meio da rua, meu corpo roxo, por uma dessas qualquer, seria ridículo. meu problema começa a se complicar; eu não tenho motivos pra viver, mas também começam a faltar os motivos pra morrer.

no trabalho, vou muito bem. sou o funcionário exemplar, bonito, inteligente, feliz, político, técnico. perfil de gerente. com 21 anos, melhor do que uma galera. ganhando mais que uma galera. mais que todos meus amigos. nunca tive uma frustração sequer no trabalho. seria injusto manchar a integridade da minha organização pulando do meu andar, de cabeça até o térreo. atrapalhar o tráfego como na música construção, do chico, não seria justo.

minha família não é lá muito equilibrada mas também não é ruim não. estão envelhecendo, como eu... mas, por algum motivo, tenho certeza de que estou mais perto de ver tudo que eu tinha pra ver do que eles. muita coisa que eu queria realizar já realizei. já fiz mais loucuras que meus dois pais juntos. já sobrevivi a fatos loucos e inacreditáveis. provavelmente já até tentei suicídio sem consciência disso. e não morro.

tudo na vida que a gente deseja muito a gente não consegue. nem por causa de Deus, ou da sua não-existência, fato no qual às vezes minha cabeça insiste - sem muito argumento - eu consigo morrer. Deus não existe, vai acabar tudo, pula aí, eu penso. mas aí penso no capeta me esperando lá embaixo, uma figura tipo o Robert De Niro, rindo e balançando a cabeça, falando que agora já era, suicidou, inferno pela eternidade. por mais ridícula que seja a probabilidade, o argumento é bem forte. minha cabeça de economista não permite jamais aceitar tal matemática de perder a eternidade por estar aborrecido por uns treze, dezoito, ou vinte e um anos que sejam. droga de faculdade.

não tenho motivos pra continuar vivo. acho que a vida não me reserva mais nada. tenho essa depressão "química" e tal, perco a graça das coisas. sou meio bipolar: talvez seja "polar". a palavra cabe, até pela minha frieza e ironia comigo mesmo. mas, diabos, sim, diabos! não tenho nem motivos pra morrer.

e vou vivendo uma vida como se fosse um limbo. quando eu não estiver nem aí pra morrer - tenho certeza - vou ter um treco. e, o pior de tudo: posso até acabar indo é pro céu.