Vingança

Ele a magoou profundamente.
O tanto, superficial como era, não haveria de saber, a não ser que provasse o gosto de seu próprio veneno...

Determinada, não esperou muito tempo para recompor-se da realidade que seus próprios olhos flagraram, incrédulos e já despidos da ilusão romântica em que vivera até há pouco...

Surgiu altiva, qual rainha a desfilar pelo palco onde encenam-se tantas outras ilusões, para a transmissão da dolorosa, porém mais justa sentença.
Com um gélido olhar, extraído do avesso de suas fantasias de menina, ora violadas, manteve-se serena, em aparente equilíbrio...
Em verdade, para um observador mais atento, essa ilusão de ótica, advinha da expressão de um coração que sobrevivia anestesiado, no espectro de si mesmo. Apenas isso.

Pouco a pouco, foi reduzindo aquele homem a um traste, uma figura aquém de humana. De seus lábios dançavam palavras pausadas, bem concatenadas, com um tom de voz macio, quase sensual, retirando com afiada pinça, traço por traço do que ele supunha ser sua dignidade.
Qual máscara que cai, seu rosto, seu corpo inteiro foi esfarelando-se ao contato da água, de emoções mais verdadeiras, menos engessadas...

E caindo em si, foi baixando os olhos, os ombros, os joelhos...enxergando apenas o ponto de vista dela. Dominante.
Via, como a desvelar-se o véu da consciência, quão ínfimo e infeliz era, diante da superioridade de caráter dela, e, sem emitir qualquer som em sua defesa, sabia apenas, que aquele momento iria gravar-se definitivamente em sua memória...

O que mais lhe doía, não era tanto a sutileza e a retórica impecável com que ela escancarava os mais recônditos pecados de sua alma...
Preferiria, sem dúvida que houvesse gritado, se descabelado, cuspindo em seu rosto até...embora também essa ideia parecia-lhe não ter nada a ver com a mulher que supunha conhecer tão bem...
O que mais lhe doía, de fato, era não reconhecer no punhal que o recortava em pedaços, as mãos carinhosas de sua bem amada...

Não ver naqueles olhos, distantes anos-luz de sua alma, o olhar doce e amoroso que conhecia tão bem, aquele alento familiar da volta ao lar, que sempre emergia ao boiar em seu brilho azulado...haveria existido algum dia?
Em que bruma perdera-se a imagem de sua bem amada? Aonde os lábios apaixonados que inundavam seus ouvidos, seu corpo, sua alma, com palavras de amor eterno, de compreensão desmedida?

Como fora tão estúpido a ponto de flertar com o mundo de forma tão inconsequente? Zombar, irreverente, com o que a vida lhe dera de mais caro e precioso?
Meu Deus, desesperava-se agora, o que fizera? Como pôde supor que seu amor por ele, jamais seria abalado, fizesse o que fizesse?

Quando enfim, ela conseguiu vislumbrar em seus cílios úmidos, o real arrependimento de que fazia juz, deu-se por satisfeita e saiu fechando a porta de sua vida e retendo toda a dor do mundo em suas entranhas.

Ligou para o seu melhor amigo. O dele. Sabia que este era do tipo que não suportava ver uma mulher de coração partido. E assim foi.
Mostrou-lhe toda a urgência e o incontrolável ardor de ser possuída naquela noite. E assim foi, antes que baixasse a lua.

Para lenitivo de sua interminável sangria, provou a si mesma ser capaz de abrir as pernas e arreganhar o sexo, com olhos ávidos de paixão, para qualquer homem que suspirasse por ela e que ela não pudesse amar...


Lídia Carmeli
Enviado por Lídia Carmeli em 23/12/2010
Reeditado em 26/03/2011
Código do texto: T2688613
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