Sinfonias conscientes

a cada ano que passa e entra um novo, eu tenho mais saudade dos anos que já passaram. tenho dentro de mim essa certeza de que a vida me reserva cada vez menos. menos sonhos, menos possibilidades. tenho também, há muito tempo, uma suspeita de que minha vida vai ser curta; esquentar, entrar em combustão, e em poucos segundos se esgotar. descobri de onde veio isso ontem.

dia de natal é um dia aborrecido por natureza. tudo fechado, nada pra fazer, todo mundo de ressaca. mesmo que fosse um dia excelente eu não estava com vontade de fazer nada. sonhei, na noite anterior, que estava dirigindo, indo para um casamento. cheguei num lugar meio pobre, parecendo um bairro qualquer de Belo Horizonte, e quem ia cantar no casamento era a Ivete Sangalo. troquei altas ideias com ela, tirei foto e tudo, e acordei feliz por alguns milésimos de segundo. mas, logo em seguida, sem nem dar tempo de respirar e voltar plenamente à consciência, dei de cara com um insetão no teto. a dura realidade.

passei o dia no ócio, a única opção que tinha mesmo, e o inseto ficou o dia inteiro no teto. as sinistras previsões: sabia que, há qualquer momento, desde a hora que eu acordei, ele voaria pra cima de mim. esqueci dele. e foi justamente o que ele fez. esbagacei ele no chão com um cartão de natal. voltei ao computador. olhando a merda do orkut. pessoas felizes. e aí me veio na cabeça essa parte da música Lithium, do Nirvana: "i'm so happy, 'cause today i've found my friends. they're in my head". foi esse o insight. dez anos atrás, como eu gostava de Nirvana. li a letra da música de novo, espantado. parece que a música me seguiu por toda a vida, parece que desde os onze anos de idade eu fui impregnado por ela. e depois os artistas, bandas, filmes, escritores, todas as descobertas que sucederam o Nirvana foram um pouco influenciados por ele. e esse meu fascínio obsessivo pela morte, e essa depressão que, por mais bem sucedido que eu seja, insiste em me consumir, me lembram muito o Kurt Cobain. eu sempre pensei em Kurt Cobain como um cara corajoso por ter dado fim à própria vida. desde os onze anos eu tenho esse pensamento estranho, mas que tem sentido em si mesmo, de alguma forma que eu ainda não consegui entender. assimilei esse fato. eu tinha cinco anos mas eu me lembro da tv mostrando que Kurt Cobain morreu. nem sabia quem ele era, lógico, mas essa imagem ficou na minha cabeça. o povo dizendo ó, ó, caramba. morte, primeiro contato.

e seis anos depois eu ouvia Nirvana demais. eu sempre tive a tristeza de não ser loiro dos olhos azuis, mas de, principalmente, não ter o cabelo comprido e liso. eu SEMPRE quis ter o cabelo liso igual do Kurt. meu ideal de beleza também começou nesses anos. eu visualizo a persona da Luna Steinherz e é o mesminho ideal. a perfeição. descobri então esse fato engraçado: a Luna Steinherz nasceu do Kurt Cobain. cara que coisa! tudo isso porque eu esbagacei um inseto, ou sei lá o que, toda essa informação estava na minha cabeça mas eu sequer sabia disso. mas, voltando à morte: quando a gente esbagaça um inseto a gente nem liga, mas quando uma pessoa morre isso nos causa um certo espanto. só de saber que alguém morreu. pra mim ultimamente isso perdeu o efeito. são dez anos impregnados de morte. a morte é meio que um atrativo pra mim, um ideal, igual o Kurt. e mesmo que eu fosse bonito e famoso como ele era, acho que morreria do mesmo jeito que ele. eu só não tive coragem de realizá-lo, mas acho que o suicídio deve ser uma coisa tão banal quanto esbagaçar um inseto. e depois, mais nada. paz e sossego; um dia de natal preto. poder cantar finalmente:

"Light my candles in a daze

'cause I've found God".