SOB UM PÔR-DE-SOL DA VENEZA, UM POETA DA RUA...

A cidade de São Paulo é uma oficina de crônicas sendo que todos os seus cantos as escrevem diuturnamente e os observadores apenas as transcrevem.

Por aqui, de fato, acontece de tudo, do bom ao pior, hei de ser honesta.

Destarte, foi exatamente no encontro de duas ruas aqui da cidade de Sampa, da Estados Unidos com a Veneza, por onde há anos obrigatoriamente passo dentro dos meus percursos de finais de semana, que me surgiu o prefácio desta minha escrita, depois de um bom tempo procurando por "ele".

Eu sempre ficava ali observando alguns painéis escritos que curiosamente resistem ao tempo, uma espécie duma lousa de papel branco aonde se lê inscrições de poemas gigantes em letras de forma, letras não tão letradas, mas abençoadas, às vezes desconexas ao leitor, não ao sentimento do poeta, dispostas em formatação de poema moderno, sem regras, sem rimas, porém duma sensibilidade ímpar e muito interessante. Letras que imitam a vida.

O "layout" dos poemas já nos diz tudo: trata-se de alguém livre para pensar, sentir e falar...a quem quer que seja, de quem quer que queira. Sempre cobra alguém e depois manda seus versejantes recados ilustrativos.

Na primeira vez que os vi achei que se tratasse de algo pontual, porém com o passar do tempo fui percebendo ser algo habitual, poemas de rua, com diversos conteúdos da época.

Passei a ser sua leitora assídua.

O poeta precisa nitidamente falar, escrever, gritar! como qualquer um de nós, então, se vale do meio de colocar seus escritos gigantes sobre a calçada da Veneza, ancorados nos postes da Eletropaulo, aonde o acesso dos olhos do público é amplo, e o mais curioso, ninguém, absolutamente ninguém ousa retirá-los de lá, sequer as chuvas torrenciais.

Acredito que seja o poeta mais lido de todos os tempos dado ao fluxo de automóveis daquele local, isso se todos os olhos que por ali passam se derem ao trabalho de tão somente...olhar.

Seus poemas parecem imunes às todas intempéries da vida, às quais, nos seus versos, o poeta cobra uma por uma, num ato bastante solitário e consciente.

Escreve, escreve, escreve, às vezes de forma verborreica e prolixa como se cuspisse as palavras certas no tempo certo, velocidade suficiente para nos dar a impressão de que necessita se expressar a qualquer custo, tanto quanto necessita de respirar para viver...ou sobreviver.

Os assuntos, variados, mas com uma insistente cobrança artística, falam desde os políticos corruptos (fora todos vocês! certa vez gritou ele), até sobre seus anseios mais íntimos. A alguns eu os fotografei.

Sim, da mesma forma que ele os escreve eu os fotografo, aliás o muito que ocorre por aí. Dizem que uma imagem fala mais que mil palavras.

Alguns poderiam achar ser ato de quem não tem o que fazer...porém eu os garanto que não.

Tanto eu como ele temos muito o que fazer, e o que pode parecer aberração para nós é satisfação.

Essa mágica de escrever e registrar a vida que passa como uma mera transeunte, num relato quase psicótico, meu, dele e dela...

Como eu entendo aquele poeta da Veneza!- que de repente- num alheio pôr- de-sol dum domingo quente, estava lá, escrevendo, sem saber que posava suas letras para a minha máquina fotográfica, donde pela primeira vez eu o pude fotografar de costas, de dentro do meu automóvel, no seu ato sublime de poetar nas e para as ruas de São Paulo.

Uma das cenas mais curiosas que pude presenciar por aqui...

Se eu fosse um jornalista decerto que até dormiria na calçada para surpreendê-lo, entrevistá-lo e revelá-lo ao mundo.

Aquele senhorzinho pardo, magro, que usa um debochado chapéu de touro, camiseta listrada e que naquele pôr- de- sol que se ia indiferente a tudo e a todos, escrevia para o seu leitor anônimo:

"eu não quero mais chorar..."