O VELHO LAGAR DE AZEITE

De engenhocas, de suor e de sonhos ele era feito, e atraía carradas de emoções, maiores que as cargas de azeitona que sob as suas pesadas moendas eram trituradas diuturnamente a seu devido tempo, que era a estação do inverno. Esses dadivosos frutos da oliveira, a azeitona, lentamente seriam transformados numa pasta oleosa que exalava um cheiro acre-e-doce que impregnava aquele recinto, lúdico templo de duro trabalho mas também de perfumadas alegrias, ao escorrer do loiro e delicioso azeite para as grandes talhas de cerâmica envidradaçada para o devido decante.

Óleo nobre e salutar, ungidor de frontes de reis, azeite que dá vida aos vivos e alumiou os mortos que partiam para a grande viagem, luz que noite e dia iluminava os altares, para nos lembrar que sob as aparências de um ázimo pão ali estava presente o nosso Senhor.

O velho lagar de minha infância era talvez, como muitos outros lagares daqueles tempos. Era constituído por uma roda gigante externa, acionada pela força da água que movimentava outras engrenagens internamente, especialmete três pesadas moendas de maciço granito, que impiedosamente iam triturando aqueles frutos das oliveiras,e que posteriormente, sob uma prensa comandada por vigorosos braços dos lagareiros, haveria de completar o milagre da transformação do bagaço no mais puro, saudável e apetitoso azeite, como outro não havia igual. Os lagareiros vigorosa e ritmicamente ao comando de suas próprias vozes, avançavam, recuavam, para voltar avançar num rítmo monótono e contínuo: ôpa, ôpa, ôpa, e como um milagre, o loiro azeite logo começava a escorrer generosamente para as grandes talhas, para a devida decantação.

Após a primeira prensada a frio, as seiras eram uma a uma removidas e seu recheio revolvido, quando então sobre elas seria derramada água fervente sem outros aditivos, para lhes extrair o óleo que não saíra na primeira prensada a que hoje chamamos do azeite virgem ou extra-virgem.

Anos depois graças à engenhosidade do tio Aníbal, inventor nato lá da terra, foi adaptada a força hidráulica à prensa, e agora o ôpa, ôpa, ôpa dos homens, deu lugar apenas ao clic, clic, clic das cunhas de segurança da prensa que dia e noite se misturava ao barulho da água lá fora, sobre a grande roda motor de todas aquelas maravilhosas engenhocas, que lá iam construindo uma doce e nostálgica cantiga que enchia de encantamento as solitárias noites de inverno.

A grande fornalha que alimentava a caldeira da água, tinha também outros importantes préstimos, pois esquentava todo o lagar que assim se tornava num lugar extremamente agradável. No seu braseiro assava-se o bacalhau e as batatas que depois seriam esmagadas a murro, daí advém o nome do bacalhau com batatas a murro que até hoje se pratica entre os bons conhecedores dos muitos e variados pratos do delicioso bacalhau, prato nacional dos portugueses que se difundiu por quase todo o mundo.

O meu velho lagar dos meus tempos de criança não mais existe. As novas tecnologias deram-nos outros lagares, não sei se acrescentaram qualidade ao azeite, o que duvido. Mas escrevo estas linhas não para discutir tecnologias, mas motivado por uma força maior, uma saudade imensa que me traz aos ouvidos aqueles opa, opa, e os clic, clice, misturados ao aveludado rumorejar da água a escorrer pela grande roda varando a noite do tempo.

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 01/01/2011
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