Pra ela

porque essa eu devo pra ela, hoje ela merece um texto. é o mínimo. passei o primeiro dia do ano na maior merda que um cara pode passar. nem bebi ontem, na virada do ano, por causa do meu estômago. além da dieta ultra-regrada que tenho seguido (sem estar acima do peso, mas para aumentar o percentual de massa muscular), não posso beber também porque já bebi demais por essa vida a fora. é como escreveu Blake: o excesso de alegria, chora. e je suis excessive, como diz a canção. findas as referências, voltemos ao assunto principal, que era meu dia na merda. até que de noite eu visitei o recanto das letras, pra lamentar e lamuriar e uivar como um cão sem dono, como tem virado costume... e revisitei alguns ilustres escritores daqui (depois de ter registrado meu choramingo fraco, é claro). deparei-me novamente com os escritos da Tati.

a Tati, descobri uma Tati ainda melhor do que já era. ler alguns de seus textos foi a única coisa boa do meu dia (que já era noite, aliás). foi a única coisa mas foi a coisa suficiente, de tal forma que nem pensei em mais nada de ruim e fui dormir despreocupado, com um sorriso no rosto. é, bem, ok, eu admito que ainda estava um pouco incomodado.

desliguei o computador. e pensei bem no meu deplorável estado, me arrastando entre cobertores o dia todo, como uma aranha com metade das patas quebradas. pedindo conselho de um nutricionista pra comer, de um personal trainer pra malhar, de um chefe pra trabalhar, de um guia de estilo pra me vestir, e quase indo pedir conselho de um psicólogo pra pensar. pra que eu preciso desse monte de gente me dizendo o que fazer, se um pequeno fato feliz já é a minha cura? e que tipo de homem fraco eu estou me tornando? onde está o super-homem nitzscheano que eu cultuava? sempre me cobrei ser o super-homem e eliminar sentimentos de fraqueza, caso contrário seria eliminado por eles. me envergonhei. e pensei seriamente em mandar todo mundo ao meu redor pra puta que pariu, pois ainda existe gente no mundo que me faz feliz, de graça. não preciso do outro tipo, embora é o único tipo com o qual venho convivendo. é, eu mereço mais, concluí.

apaguei as luzes. quis dormir. deitei na cama. mas a imagem da Tati, a qual nunca vi pessoalmente, permaneceu ali, acima da minha cabeça, como o gato da Alice. eu tenho essa mania malvada de querer transformar as pessoas em personagens da minha própria trama imaginária, como todas as mulheres das quais falei no meu (chorão) texto passado. ah, sim, claro. eu só faço isso com mulheres bonitas, existe essa peculiaridade... e então, nas sombras, aqueles óculos brilhando, um cabelo vermelho no tom morango, ou cereja, ou um vermelho almodóvar, fui construindo e reconstruindo esta poetisa na minha frente, contando histórias de amantes no boteco da esquina, e como ela fez aquele poema, ao som de algum rock antigo, seus lábios emanando palavras que recortam o ar com leveza e serenidade, entre um sotaque meio mineiro e meio espanhol (será?), parte me lembrando de casa e a outra parte novidade e mistério...

por onde andaria? Colômbia, Minas, dando aulas, tocando guitarra, vendendo flores, lutando contra algum regime de um ditador obscuro? e continuei construindo mil e uma imagens da poetisa, deitada em seu quarto pensando em o que fazer, com papel e lápis na mão, talvez como eu no mesmo momento, coisa de filme com a tela partida em duas e duas pessoas em lugares diferentes fazendo as mesmas coisas. você neste momento teletransportada à minha frente, agora real, não mais como a neblina do gato da Alice; agora real, de vestido preto, sorrindo singelamente, graciosa, elegante, agradável, como numa propaganda de perfume: poética. arruma os óculos no rosto e se senta na cadeira do meu computador, digitando profecias e pós-modernidades.

acendi a luz, porque você mereceu hoje sem falta um texto. manuscrito, que é pra ser bem revisado antes de "ir pro ar". e enquanto escrevo lá está você em algum lugar da minha terra de sonho, como a Matilde de Neruda, abriendo todas las ventanas del mar para que vuele la palabra escrita, para que se llenen los muebles de signos silenciosos, de fuego verde.

pena é que essa droga de texto nem faz juz à cena.