Eu vivo no alheamento, forçado pelas circunstâncias. Depois de viver muito, meu mundo invariavelmente é feito de silêncios e rotinas. Hoje, porém  eu decidi fazer uma coisa inusitada. Criei coragem e decidi vestir um disfarce e sair pela rua. Botei um disfarce perfeito, bigode, chapéu, roupa nova e tudo
Eu não era eu, era outro homem. Sai pelos mesmos lugares que freqüento e não cumprimentei meus amigos, mesmo porque
agora não tinha amigos. Eu era outro! Eu confesso que temi, mas depois gostei de ser outra pessoa. Foi uma experiência interessante!
Não senti o olhar de desconsideração que sempre recebo dos que me reprovam por ser sempre igual, sem sal, sem consumo, sem cor, sem poesia e sem futuro. Um fantasma.
Tampouco ninguém me olhou com desdém ou com pena. Não me senti o deslocado, o inútil, o cotidiano e o sem apreço.
Os motoristas de taxi que esperam clientes na porta do hotel, desta vez não me olharam com o frio desânimo e o vendedor de bilhete me ofereceu seus jogos e deu longas explicações sobre minhas chances.
Não comprei mesmo assim, ele aceitou numa boa. Ninguém me cobrou nada. De repente é como eu não fosse mais o Zé ninguém. Eu era alguém no pedaço e ninguém me cumprimentou como se não quisesse me cumprimentar, com aquelas palavras cortadas.
Então eu me auto nomeei,  Barão do Silencio. Não falava com ninguém.  Estava ali, de passagem, um transeunte, curtindo a vida.
Como um Barão, cruzei a rua estreita e dei na grande Avenida incólume. Bisbilhotei as vitrines sem o desconforto dos olhares dos vendedores, que aquilatam as pessoas pelo potencial de compra que representam. Vendedores não conversam, vendem. Eles não me interessavam.
Mas alguém me convidou para entrar e olhar melhor os produtos. Fiz um sinal de que estava com compromissos, elegantemente.
(Pude mentir sem arrependimento e sem medo de ser descoberto)
As casas das ruas, talvez me reconhecessem. As casas conhecem seu ambiente. As casas conhecem as almas das pessoas. Elas são a identidade da rua. Não as pessoas que passam.
Eu dei de olhos em cima de uma mulher bonita. Tinha umas coxas e tanto. As meias pretas de inverno debaixo da saia, não diminuía,ao contrário,  aumentava o apetite dos olhos.  Chupei um sorvete por causa dela.
Estava frio pra burro, mas os desejos nos põem, todos, a cometer pequenas loucuras. 
Fiquei bem em pensar que fora o outro que a cometera, não eu.
Então, eis que alguém me pergunta as horas. Era uma outra mulher, mais jovem, que nunca vira. Tinha um sorriso leve, constante. Coisa de alma boa.
- 4.30 da tarde... respondi cabalmente.
-Ah acho que vai chover e depois pode esfriar mais ainda. Disse-me ela com alguma simpatia.
Eu concordei que iria mesmo chover. Nada falei sobre o frio. Ela me dá um sorriso e toma o ônibus que para no ponto.
Eu a sigo com os olhos, os meus olhos, buliçosos e eternamente livres, seguindo o onibus até ele sumir no fim da avenida.
Será que ela teria feito o mesmo, não fosse eu o Barão? A pequena dúvida dissipou-se sem resposta.
Desci a rua, com algum receio de ser descoberto. As portas de ferro começavam a descer, anunciando o fim do dia.
O velho mundo seguiu sua rotina inexprimível. O sol de inverno decaiu alguns graus no horizonte, todos se apressaram, menos eu.
O sol sabia quem eu era, eu também. O homem é mesmo um fantasma de si mesmo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 02/01/2011
Reeditado em 02/01/2011
Código do texto: T2704984
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