O encanto passageiro

Hoje fiquei com impressão de que a passagem das coisas é tão ligeira que revela, a cada segundo, como o tempo está correndo rápido. Sempre tive essa impressão e até a tese sem fundamento de que, o tempo é o mesmo, mas não tenho nenhuma tese para comprovar a sensação de estarmos correndo em disparada pelos anos. Assim, pensando, decidi enveredar pelo mundo das lógicas abstratas que retratam essas coisas que a gente sempre acha, mas nunca tem certeza. O tempo é uma delas - tempo de tudo.

Tem um tempinho que acho um dos piores. Quando ficamos muito, longo, demasiado tempo na companhia de alguém que gostamos - as pessoas ou a pessoa com quem convivemos muito. Não vale pensar nos nossos parentes, mas vale nossos casos de amor, para começar.

É que acho esquisito, esnobe e triste, mas, de vez em quando, percebo que enjoamos as pessoas e que as pessoas também enjoam da gente. Ah, eu não tenho certeza disso, mas tenho uma impressão quando observo as coisas. Dá uma vontade de chorar. Mas essa impressão demonstra a idéia de que, como as crianças, ficamos nervosos, empolgados e queremos prestar toda a atenção do mundo a uma pessoa quando a conhecemos. Como um brinquedo novo, ela é novidade, e tudo tem a qualidade de diferente e bacana. Desejamos, assim, muito as pessoas que estão na última moda. Para nós, qualquer pessoa nova, que achamos muito interessante, fica sendo a última moda.

O modismo de pessoas ou de pessoa acompanha graus de excitação, de mudanças de comportamento como: usar mais o telefone; sorrir muito; dar presentes esperados e inesperados; afastar-se dos amigos que não estão mais na moda; investir na beleza com exacerbação da sexualidade e do sexo; mudar o jeito de ser. Todas essas mudanças seguem padrões tão comuns que o próprio empolgado já se torna um enamorado chato que não consegue mais esconder que está - como diz a maioria - apaixonado ou focado numa amizade que caiu do céu - o mito da alma gêmea.

Esse modismo popularmente cega, mas a isso dou o nome de regressão. Talvez a uma fase do vazio ou da solidão, ou talvez a uma fase bem infantil em que o adulto-criança, enamorado, encontra mais um dos divertidos brinquedos. Este que ficará em evidência na estimulação dos seus sentidos, dos seus sentimentos de felicidade eterna e das ilusões que, devagar, minam a perfeição desse brinquedo. Ou seja, da pessoa que a gente achou, como se ela nunca tivesse existido e como se ninguém nunca tivesse achado antes.

Mas, o que têm esses brinquedos-pessoas? Eles são novinhos porque, mesmo usados por outros, para nossos olhos, pessoas novas, sempre passam a ser foco de principal importância. O que será melhor caso haja reciprocidade. As pessoas novas causam euforia, bem-estar, alegria. Ainda tem a delícia de descobrir as novidades, como um baú de tesouros disponível para o exame, pouco a pouco.

O encanto desse baú traz evidentes coisas brilhosas, os momentos que passamos doces, como tortas doces, manga doce e tudo que é gostoso. Quem ama doce quer doce e quem ama salgado terá a sensação de ter achado os mais deliciosos. O tempero da relação com a pessoa da moda são os momentos, muitos, vários, de todas as formas, todos os jeitos e lugares. O tempero da moda sacia a fome de afeto, o que faz com que a pessoa quase vire um pedaço de nós mesmos, como se um fosse inerente ao outro. E assim, mais momentos, mais e mais, até que vão ficando repetidos e a fome passa porque vamos ficando “obesos” de tanto comer momentos ou, no trocadilho, viver os doces e salgados que podem ficar enjoativos.

Mas, será que é nesse instante que enjoamos as pessoas? Enjoar, nunca, palavrinha proibida que representa o fracasso excludente de já termos vontade de ficar só e guardar o brinquedo. Vamos, então, amenizar. Não vamos falar de enjoo, mas de desilusão, de tédio, de cansaço dos momentos rotineiros de que se vestem as pessoas que também ficam rotineiras.

Nesse instante, as pessoas novas, de tanto repetir e repetir sua existência, tornam-se velharias que cansam nossa síndrome de novidades. Elas ficam menos belas, menos interessantes, menos respeitadas, no entanto, nos conhecem como ninguém. As pessoas que caem na rotina correm sérios riscos. Ou seria normal dizer, que ficarão novamente livres para serem novas em outro pedaço, nascerem na vida de alguém que nunca as viu. Assim, repete-se o processo de incompletude humana que quer, deseja, luta, e dá tudo por alguém, até descobrir que ninguém será responsável por sua felicidade, a não ser você mesmo.

Fábio Alvino
Enviado por Fábio Alvino em 05/01/2011
Reeditado em 05/01/2011
Código do texto: T2710166
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