ELEITORA ANALFABETA

Corria o ano de 1958 em fervilhantes preparatórios em Calambau, haja vista a certeza da oposição na retomada da Prefeitura. Naquela época, nos limites éticos valia tudo para se atingir aos objetivos eleitorais.

Pois bem. O PSD e o PR estavam disputando palmo a palmo a conquista dos eleitores. A UDN não saia dos limites dos grandes centros. O PSD de Benedito Valadares e o PR, fundado pelo senador Arthur Bernardes eram as forças que se digladiavam. A turma do PR ficou sabendo que a D.Corina, figura humana respeitada pelos seus dotes de prendas domésticas e influente personalidade da igreja, filiada do PSD, havia requerido junto ao Juiz eleitoral o seu título de eleitora. Fato anormal já que política era coisa dos homens; mulheres só para preparar o café com quitandas para servir nos encontros dos principais dirigentes. D. Corina requerendo título de eleitor causou um alvoroço total. Havia um porém. Como podia uma analfabeta ser eleitora? Isto só podia ser obra do escrivão destacado pessedista de atitudes afoitas, dizia a turma do PR.Daí à denuncia ao Juiz foi questão de pouco tempo. O Meritíssimo, exercia suas funções com a seriedade espartana, tomou conhecimento da revelação e comunicou à sua secretária a data em que iriam à casa da eleitora para constatar se de fato tinha fundamento a denúncia perrista.

Como a secretária do Juiz era mais ligada ao pessoal do PSD, tratou logo de informar aos seus amigos a data em que a eleitora seria sabatinada pelo Juiz e pediu a presença do escrivão em Piranga, cidade convergente com limites territoriais.

O escrivão de Calambau atendeu ao seu pedido e ficou sabendo que ela sempre acompanhava o Juiz nestas ocasiões. Foi tramado seguinte:o escrivão levaria uma cartilha igual a do Juiz e D.Corina treinaria a leitura à exaustão para decorar uma das páginas do livro modelo e, na ocasião, a secretária abriria o livrete justamente na página decorada pela eleitora .A página escolhida continha um conto com o título "A Onça".

O escrivão não cabia em si de contentamento e foi logo avisar ao seu compadre e amigo candidato do PSD, o que iria ocorrer.Ficou combinado que o escrivão e o candidato, interessados e como testemunhas, iriam acompanhar a comitiva do Juiz até a casa de D.Corina na data determinada pela autoridade. Na véspera, a turma do PSD, que sabia o que iria acontecer, ficou até mais tarde tomando umas e outras nos botequins da cidade,imaginando a cara dos perristas quando soubessem que D.Corina lera, com desenvoltura, o texto que seria imposto pela autoridade eleitoral.

Chegou o tão esperado dia.

O Juiz chegou a Calambau onde já o aguardavam o escrivão e o candidato do PSD. Logo que o carro do Juiz chegou, percebeu-se que a secretária não estava presente. Não se tratava de ausência significativa, assim rumaram para a zona rural onde morava D.Corina. Em lá chegando, o Juiz a encontrou muito alegre,na certeza que iria cumprir muito bem a sua tarefa. Antes do ritual de esclarecimento, saborearam o café que D.Corina havia preparado com muito carinho, mesa farta e variada, típica da hospitalidade mineira interiorana. Fartos, satisfeitos, toma a palavra a autoridade de forma solene: ?Disse o Juiz:

_ “D.Corina,como a senhora bem sabe houve uma denúncia dizendo que a senhora é analfabeta e aqui estamos para verificar se esta denúncia tem fundamento.A senhora faça o favor de assentar ao meu lado.”

Nesta hora, o escrivão e o candidato pediram licença e sairam para o terreiro,na esperança de que,ao menos por sorte,o Juiz abrisse o livro na página "A Onça", tarefa que seria da escrivã ausente por razões ignoradas. .Dentro da casa ia começar o teste.

O Juiz abriu o livro e pediu a D.Corina que procedesse a leitura.Ela então iniciou:

" A onça.

A Onça é um animal selvagem. A onça habita as selvas do Brasil".

Neste momento o Juiz gritou: Pode parar a leitura.Onça é a senhora, sua analfabeta! E saiu correndo em direção ao carro, chamando o escrivão e o candidato para irem embora pois tinha muito trabalho eleitoral em Piranga .No caminho o Juiz comentou: " Pedí a ela para fazer uma leitura sobre a Bandeira Nacional e ela me veio com esta história de onça...E os senhores tenham mais critério para selecionar os eleitores...

Um juiz amigo da onça.

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 06/01/2011
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