CONVERSA MOLE PRA BOI DORMIR
CONVERSA MOLE
Zé Lucas e Zé Carro eram compadres, além de primos. Na verdade, Zé Carro era apelido de José Carlos, pois em nossa região é comum o pessoal trocar o nome Carlos por Carro.
Numa tarde estava o Zé Lucas assentado à porta de sua casa, fumando o seu cigarrinho de palha, quando chegou o seu compadre Zé Carro.
- Boas tarde cumpadi Zé Lucas! – Bastarde cumpade!, respondeu o Zé Lucas . – Vamo chegá prá cá e apiá!
Depois de ter apiado e amarrrado a sua égua no batente da porteira, o Zé Carro assentou-se ao lado do compadre.
- Uai, cumpade, vancê comprou uma égua bunita, calçada dos quatro pé.
- Essa égua eu breganhei com Zé Cirilo. Dei uma vaca que não respeitava cerca e ainda recebi cem real de vorta.
- Uai, cumpadi, vancê agora tá ficano tretero.... disse o Zé Lucas.
- Nada disso, vancê imagina que o Zé Cirilo quiria cutiá... o Beijo Custódio falou com ele que a minha vaca além de não respeitá cerca, era manina. É cumpadi, disse o Zé Lucas, quem fala muito dá bom dia cavalo...
- O seu arriamento é que não tá nada bão... continuou o Zé Lucas.
- Eu prispiei arrumá o arreio, pela barrigueira, mais num tive tempo de arrumá o resto...
- Vancê ficou sabeno que o Papa morreu? É o Papa, Papa... Papa...
- Papagaio do Colodino? respondeu o Zé Carro.
- Nada disso cumpadi, disse o Zé Lucas, eu tô falano do Papa João Pola, que manda nas Igreja do mundo tudo.
- Tá bão cumpadi, mais o papagaio do Colodino tamém morreu treis ontonte, disse o Zé Carro.
- Cumpade , e aquela cabritinha qui tá amarrada na berada da cerca. Vancê não vende ou breganha ela não?
- Num posso, cumpadi Zé Carro, pois ela tá aumentada do bode do Saminho. O bode é de uma raça leitera e o Saminho falou que essa raça dá 4 litro de leite por dia...
_Sei lá cumpadi...
- Já que vancê qué comprá um animale, porquê que vancê num compra o cavalo do Armando do Raimundo Bananá? É um cavalo danado de bão, vancê já deve tê vistêle, pois o Armando tem uma ição danada lá pro Quenta Soli.
- Prá mim num dá, cumpadi Zé Lucas, o Armando tá pidino caro nele e o Beijo Custódio num comiço lá nos Cunha, andou dizeno que o cavalo do Armando tem a garupa chupada e a cabeça meia curta...
- Cumpade Zé Carro, cê tem visto o Zé de Gininha?
- Num tenho visto toada dêle não... Desde o dia quêle pagou aquela cachaça prá nóis lá no Bar do Urgo quêle tá sumido... Tamém num é prá menos, naquela noite ele foi picado por cobra de vidro...
-Cumpadre Zé Lucas, o que que vancê achou das eleição prá prefeito?
- Sei não cumpadi, cabei entrano na cunversa mole do Prefeito e votei no disgramado. No dia da posse fui na cidade, cumi um feijão tropeiro que êle deu prá nóis e foi uma disgraça. Fiquei uns dois dia correno pro mato. A minha barriga só cuncertô depois deu tomá um chá que o Sô Josino arrumou prá mim.
- A minha barriga num doeu porque eu não fui lá. Votei contra o Prefeito... Agora, a sua cumadre Maria eu num deixei ela votá em ninguém. Fartava uma semana prá eleição, eu e ela fomo na rua. Tava passano perto da venda do Vicente do Sô Dino, quando um dos freguêis perguntou: Será que a muié daquele sujeito tamém é nossa? O João que trabaia tamém lá na venda respondeu: aquela eu tenho certeza! Fiquei com reva e não deixei ela votá. A muié é minha e não deis...
- Cumpadi Zé Carro,eleição é um trem danado... Bom mesmo era no tempo quando Nicarneiro canditava prá Prefeito. Ganhava quase tudo...
- Tempo bom, né cumpadi. Agora vou dispidi de vancê porque tá chegano a boca da noite...
- Espera muncado que a chalera já tá ferveno e sua cumadi vai trazê prá nóis um moca quintinho.
- Intão vou esperá. Depois é café no papinho e pé no caminho...
- Enquanto o café num chega, vão comigo alí no paiol prá mim escoiê uma boa páia pro cigarro.
- É cumpadi, deisde quando o Sô Idú não é mais vendero, eu num fumo mais. O homi era danado, só vindia fumo bão, diz qui era rapiraca. Eu tenho um isquero vospique qui comprei na venda dele.
Depois do café tomado os dois compadres se despediram:
- Fica com Deus cumpadi, disse o Zé Carro.
- Vai com Deus, cumpadi, respondeu o Zé Lucas.