28. Gisórs é uma cidade normanda

Quatro quilómetros separam a pequena vila de Neaufles St. Martin da cidade de Gisórs. O trajecto de carro, demorou menos de cinco minutos.

Daqui a quanto tempo queres que te venha buscar? Umas duas horas. Onde? No banco ao lado da igreja. Está bem. Às quatro estarei aqui. Até logo Olga.

Entrei na igreja de Saint Gervais e Saint Protais (nome de dois mártires ainda do tempo dos romanos), sentei-me lá atrás, mesmo à entrada, havia coroas de flores, um enterro, e, no seu remanso fresco e calmo, troquei mensagens com a minha filha Filipa. Bom dia filha!

Parei numa ‘Maison de Tabac’, pedi um café forte e uma água. Perguntei pelo 'Le Monde.' Vício de sempre. Veio o café. Não recebem o ‘Le Monde,’ fiquei-me por o ‘Normandie’, um jornal local que desconhecia. Vai leva-lo lá para fora? Por favor traga-o, há gente que o rouba. Fez o gesto com a mão.

Há pouco, tocara a finados na igreja. Sinais, como a gente diz aí. Muita gente vestida de preto aguardava cá fora. Aqui, tal como aí.

Vou ao castelo normando agora. Michel dissera-me que o castelo e o casario à volta do castelo haviam escapado em parte aos bombardeamentos.

Gosto de cidades pequenas. Cada vez gosto mais delas. Deve ser da idade.

Ao andar meio sem destino sobre o relvado do castelo, apeteceu-me sentar à sombra de uma enorme árvore. Será carvalho? Não vi bem. Enorme. Com uma copa enorme. Ao estar aqui, em uma cidade que nunca vira e que talvez nunca mais volte a ver, penso na gente que nunca vi nem verei nem que me viram nem me verão nesta encarnação, e penso que a terra que a gente vive e conhece é um grão de areia comparada com a da gente que a gente não conhece nem conhecerá. E todos consideram a sua terra a mais importante do mundo. Pudera, mas o que a humildade aconselha é a ser humilde. Tolerante.

Bom dia Júlio! Como sempre, prefere chamar-me em vez de me devolver a mensagem. E eu prefiro mil vezes ouvir a sua voz parecida à minha vinda da Ribeira Grande do que ler as suas mensagens. E eu sei que ele prefere também o mesmo. A gente sente sempre uma forte corrente de masculina fraternidade entre os dois.

Estou no castelo de Gisor. Gisor? Este é um sítio que se fala quando se fala da guerra de 39-40. O Júlio é um amante e, digo eu mas ele não, mas é verdade, um especialista naquela guerra.

Como está o tempo aí? Aqui é a Normandia e está como se diz que está sempre nos Açores: céu nublado e fresco. Aqui, não, há dois dias que está bom. Vou à praia e talvez ande de bicicleta.

Viste o jogo ontem? Só a segunda parte. Estive na praia. O Sporting ganhou e o Benfica perdeu. Já? São jogos particulares.

Fiquei consolado, cheio, em menos de uma hora, troquei mensagens com a minha filha e ouvi a voz do meu filho. Tenho saudades do tamanho do pico da Vara daqueles dois.

Se por algum motivo precisarem de mim, eu apanho o primeiro avião e salto de pára-quedas sobre a rua das Pedras.

Voltei à carga, encontrei uma ‘papeterie’ (papelaria) e comprei o ‘Libération’ Vim lê-lo para o banco ao lado da igreja. Conforme havia combinado com a Olga.

Dobraram de novo os sinos a finados. O carro funerário partiu.

Mário Moura

Gisórs, 12 de Julho de 2010

(passado a limpo em Evreux)

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 09/01/2011
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