FESTA DO ROSÁRIO

FESTA DO ROSÁRIO

No ano de 1.941,na Vila de Santo Antônio de Calambau,desde o mês de janeiro, o assunto predominante entre a população era a grande " Festa do Rosário" prometida ao povo pelo pároco Pe.José Grossi.Não

era para menos,pois o Pe.Grossi havia assumido recentemente a paróquia em substituição ao Pe.Chiquinho.

No mês de julho,após a colheita do milho,os lavradores guardavam alguns sacos do cereal,os quais no início de outubro,seriam vendidos,para que pudessem comprar os tecidos com os quais seriam feitas as "roupas novas",para participarem da famosa festa.

No início de outubro a vila já sentio o"lufa-lufa" de seus habitantes.Aproximava-se o grande tríduo.Os carros de bois do pessoal da zona rural já estavam chegando, trazendo a família e os pertences necessários,para que eles pudessem passar os três dias "na rua", como eles diziam...As barraquinhas já estavam sendo construídas no Largo da Matriz.Antônio de Paula, também conhecido como tio Antônio,já preparava as suas bombas e os famosos "foguetes de rabos"...

A Lira de Santo Antônio,regida pelo maestro Domingos do Morro ensaiava toda a noite, a fim de abrilhantar a famosa festa.O Crispim e os seus congados já estavam em forma.Para tanto já estava organizando os instrumentos de percursão:tambores,pratos,reco-recos,cuícas,etc.Violões e cavaquinhos também compunham o instrumental.Conseguiu duas grandes espadas emprestadas, que seriam usadas por dois congados mais altos.Eles iam em frente aos demais bradindo as suas espadas e fazendo evoluções.

Na casa de Sô Quilombo, fazendeiro do município, o Rei da Festa, o movimento não era menor:

"as latas de querosene",vazias e limpas, já estavam repletas de doces...Na Igreja Matriz ouvia-se o eco das marteladas,preparando o grande trono que seria ocupado pelo Sô Quilombo.

Após os dois primeiros dias do tríduo de N.S. do Rosário,à noite do terceiro dia,houve o levantamento do mastro,com foguetório e banda de música.Por fim chegou o dia do reinado,assim chamado por que o Rei seria coroado e desfilaria pelas ruas da cidade com todo o seu séquito. As 5:00 hs da manhã, na alvorada, a Banda fazia ecoar pelas ruas da vila os sons de seus lindos dobrados. No seu quintal, o tio Antônio fazia subir ao céu os foguetes,despertando de vez a população.

Na casa do Rei já era formada a fila disputando a gamela de lavar o rosto. O seu terno de brim cáqui já estava passadinho, em cima da cama.

Também de manhã, as moças que iriam representar as servas do casal real, já se movimentavam,pois iriam desfilar sob o guarda -chuva segurado por uma rapaz.Eram elas que faziam o convite ao rapaz de sua preferência. Nesta ocasião iniciavam vários namoros que muitas vezes terminavam em casamento.

As 8:00 hs,quase toda a população já estava na Igreja assistindo a Santa Missa.Algumas pessoas notaram a ausência do Rei, mas não deram muita importância ao fato, pois o "reinado" sairia somente ao meio-dia.

Terminada a missa, o Largo estava movimentado.Em frente as barraquinhas,aglomeravam-se homens e crianças.Próximo ao coreto, em uma das barracas eram vendidos folhetos de modinhas e literatura de cordel com o homem da barraca anunciando em altos brados:-"Com dinheiro compra dinheiro e com os olhos compra remela,venham comprar a estória do pavão misterioso que roubou a moça e casou com ela!"

Os congados,fazia tempo, já estavam à porta da casa do casal real para acompanhá-los até a Igreja, entoando os seus cantos:-"Ô sô rei de crô'a, ô sô rei croado o sinhô me dá licença d'eu entrar neste reinado".O Crispim cantava e os congados repetiam o verso.Cantavam também:"Viva Maria no Céu, viva Maria no céu com o seu terço na mão contemplando os mistérios.Ô viva Maria no Céu!"

O que estaria acontecendo com o Rei? Simplesmente o seguinte:ele deixara para comprar as suas botinas nº 44, no dia da festa e o Sr. Olívio,único comerciante que vendia calçados na época,havia vendido o último par para o Mané Paca, que também calçava aquele número.Estabeleceu-se a confusão.O Sô Quilombo de maneira alguma, concordava em pedir a botina emprestada ao Mané Paca, pois sempre fazia questão de frisar que era uma pessoa de opinião.

O tempo passava,os rapazes com os seus guarda-chuvas já conversavam com as moças, com as quais sairiam no reinado.Na porta da casa do Rei, o Crispim com os seus congados já faziam suas evoluções, iniciando também os cantos da ocasião:"Ô sô Rei de crôa,ô sô Rei croado, o senhor me dá licença deu entrar neste reinado..."O Crispim cantava e os congados respondiam cantando o mesmo verso.

O sô Quilombo continuava firme com a idéa de receber a coroa de qualquer jeito, com botina ou sem botina, deixando a família aflita com a aproximação da hora.

Todos na Igreja já ouviam os cânticos dos congados,sinal de que o reinado estava se aproximando.Enfim aparece na porta da Igreja,entrando juntamente com a Rainha, de mansinho,como se não quisesse fazer barulho com os sapatos, o Rei.

O Pe.Grossi benzeu a coroa,o Rei foi coroado juntamente com a Rainha, e saíram para a rua onde iriam fazer parte do "reinado" que desfilaria pela Vila.

Num dado momento,um garoto que passava fez uma oservação gritando:-" Olha o Rei de tamancos!" Todos olharam espantados para os tamancos do Rei.

Com um grande grito o Sô Quilombo respondeu:

Rei é Rei e anda do jeito que quiser.

E o reinado continuou...

...x...

Murilo Vidigal Carneiro

Calambau,outubro de 2011

Reeditado em 19 de fevereiro de 2020

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 09/01/2011
Reeditado em 19/02/2020
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