AS TRÊS MARIAS

Carta a um amigo.

Sinto muita falta da Maria Pândega, mas ela sucumbiu à Maria menina e está presa e inibida por este momento político. A Milu, meu lado dona de casa e mãe, está um pouco amuada, apesar de tentar manter a menina sob uma certa proteção, tentando evitar muita afoiteza, que sua experiência sabe ser arriscada. Mas a atual Maria-menina-querida-do-papai domina a cena.

"Eu, Maria, desde criança, quando meu pai me levava aos comícios naquela cidadezinha quase aldeia de minha infância,sabia que , mais que os guris da casa, era eu sua "herdeira", no que ele sentia como exercício de cidadania, apesar de nunca ter ouvido falar disso. A palestra do governador era acompanhada pelo rádio, sem uma palavra, por esse estranho grupo, meu pai, meu avô e eu. O Rio Grande em três gerações de resistência."

É difícil não ceder a esse lado "afetivo" de nossa formação e assim, quando surge a hora de entrar na peleia, a Maria criança toma conta e dita as ações. E através dela, revivem meu avô, bisavô, meu pai, toda a indignação que os movia a querer defender o país das investidas estrangeiras, haja visto que o Rio Grande sempre teve brigas de fronteira. Mas principalmente o espírito dos ventos franceses que haviam deixado seus vestígios, liberdade,igualdade, fraternidade, ideais que emocionavam e uniam pessoas sob a mesma bandeira humanitária.

E a Milu foi descartada. A Maria crinça que manda os emails pra ti, é uma brasileira bem intencionada e que procura se informar do que acontece por aí em fontes mais seguras. Mas ela entende a dificuldade de pessoas que não tiveram a mesma vivência e oportunidades, em assimilar este momento histórico.

A Maria menina-mulher sobe à mesa para dançar, como nos carnavais distantes,sob o olhar dos adultos admirados. Não quer mordaças, sua avidez não entende entraves.

Instintivamente, fareja a grandeza de rostos torturados pela miséria e a sordidez do lucro fácil. Na sua velha casa sem conforto, a melhor fortaleza que uma criança podia encontrar: dignidade, exemplo, muito amor e generosidade.

A menina subterrânea não espera ser chamada. Ela aflora e assume seu lugar. Ela é capaz de morrer por suas convicções e por isso mesmo sentirá o peso do desprezo. Nada resolverá quererem impor a ela qualquer caminho. Ela aceita dialogar, mas não aceita mordaça. A pedra em que foi forjada tem a capacidade de transmutar-se em matéria fluida. Assim, alça vôos de superação, paira acima da rigidez dos regulamentos e ressurge como recém-nscida.

Jamais esperem dela apoio a atitudes preconceituosas com os mais humildes. É muito fácil pisar em quem não tem nada. É muito covarde tripudiar sobre as mazelas do povo. Nós intelectuais de merda, não temos o direito de fazer texto-deboche sob nenhuma condição. Fere por demais a sensibilidade da criança que mora em mim, ver os achincalhes nessa pretendida literatura que traz o ranço do preconceito social, disfarçado em luta pela moralidade.

Essa menina está sempre pronta a usar sua espada, mas logo, logo, voltará para sua trincheira. E aí faremos uma trégua. Até quando? Talvez por pouco tempo.

Na velha lua traço meu caminho,

na lua nova, ergo minha espada!

Abraços da Pândega, da Milu e da atual mulher-menina.

PS.: Não condeno tua opção política, visto ser uma decisão que parte de uma pessoa bem intencionada e de caráter, mas não aceito aqueles que se arrogam o direito de julgadores e se lançam como paladinos da moral e bons costumes, cheios de rancor e preconceitos, aliados a uma servilidade crônica de subalternos covardes esperando a esmola. Mas piores que estes, são os que rejeitam seus irmãos mais pobres por puro esnobismo, uma pequenez de espírito que revela a sordidez do ser humano em pessoas travestidas de bem educadas, boa família e que tem nojo de tudo que não seja FTP. Para eles, a Maria menina reage com umas bulitas arremessadas por sua "funda"(bodoque).

Acabou de imprimir-se.

23 de outubro de 2006

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 24/10/2006
Reeditado em 06/04/2008
Código do texto: T271946
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