ARTE MAIOR

“Não existe arte maior nem mais benéfica para a alma humana que a de esculpir a própria escultura”

Este é um pensamento da Logosofia que no mínimo faz pensar. 
Como esculpir a própria escultura? 
Em que época da vida temos prontidão para isso? 

Afora as vaidades que nos credenciam o culto ao corpo e a beleza, 
afora nossas consciências, únicas capazes de nos impor os cuidados 
necessários à saúde, afora tudo o que é elemento externo, como esculpir 
nossa própria escultura interna? 

Feliz a infância vivida com possibilidades de escolhas, feliz a criança 
que recebeu dos pais, o barro, e junto com eles, foi aprendendo 
a modelar a vida. 

Tantas vezes sinto pena dos pequeninos, indefesos, vão crescendo 
à mercê das inconseqüências, incoerências e arbitrariedades 
do universo adulto. 

São cobradas em demasia, como depositárias da infelicidade social 
e emocional daqueles que a cercam, muitas vezes, daqueles que as 
trazem ao mundo. 

Não obstante, vão amadurecendo desordenadamente, vão tateando a vida, 
na busca incessante de se encontrarem, perdem-se em suas escolhas, 
sentem-se desamparadas e com profundo sentimento de solidão, 
porque os alicerces, foram solidamente construídos em areias movediças. 

Aí o perigo imenso de trazermos para o mundo adulto, a criança que 
não fomos, a criança que jamais pudéramos ser, posto que, 
fomos crescendo, com essas deformidades interiores, e num dado 
momento, a vida nos depara com a cobrança de sermos suficientemente 
eficientes para esculpirmos nossas próprias esculturas. 

Tarefa árdua, jamais impossível. 

A tendência à falta faz com que depositemos, sempre, 
numa terceira pessoa, a própria imperfeição. Porque olhar-se, machuca e amedronta, naturalmente, crescemos à luz dos sonhos e planejamentos
de outras pessoas, que podem gerar culpas e medos para o resto 
de nossas vidas. 

Mas isso tudo é bobagem, a insatisfação humana eternizou – apenas 
e até quando a humanidade acordar para a grande virada. 

A imperfeição ainda nos defronta com sentimentos e atitudes 
assustadoras, colocamo-nos muitas vezes como vítimas de nós mesmos, 
sempre a justificar nossa posição no espaço e no tempo, como algo imutável, 
sob o ponto de vista de nossas estruturas. 

E isso na verdade é um grande nó, ficamos escravos de tudo aquilo que 
nos foi imposto desde que viemos ao mundo. 

A grande virada, penso que venha da transcendência, do perdão, 
da compreensão, da transmutação, do preenchimento condicionado a tudo 
o que é pacífico, da serenidade extraída da lucidez ao perceber e valorizar, minimamente, cada partícula, da certeza de que somos filhos e filhas da vida, posto que, quem escreve, só descreve a inscrição selada no mundo, 
na existência, como um todo. 
Gibran, extraiu esse pensamento do inconsciente coletivo de uma 
humanidade, que, infelizmente, só se capacita a esculpir-se internamente
quando já não é mais tempo. 

Portanto, ao terminar de ler esta crônica, banhe-se, como num ritual 
de batismo, e reconstrua sua percepção, em relação ao que é identidade. 

Ter identidade, é saber-se uno, ninguém viverá nossa vida por nós. 

Podemos escolher entre os patamares da lamentação, e os da ação 
contra o lamento, que insistimos deixá-los presentes, preterindo a benção 
e atravancando a evolução. 

A despeito e a pretexto de como viemos ao mundo, do quanto e do como, 
as dores nos aplacaram ao longo das jornadas, é muito bom descobrirmos 
que foi exatamente no instante em que nada desejamos, que tudo tivemos. 

Doar-se, doar-se e doar-se...a si mesmo e a toda humanidade, 
eis a procuração, de papel passado, para a libertação de tantos males existenciais.
Márcia Beatriz Prema
Enviado por Márcia Beatriz Prema em 24/10/2006
Reeditado em 24/10/2006
Código do texto: T271990
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.