O GALO DE DIONÍSIO

O GALO DE DIONÍSIO

Naquela tarde de sábado, mês de julho, ano de 1950, tudo corria como de

costume na casa do Dionísio.

Desde que ficara cego, e isso já ia prá mais de vinte anos, Dionísio saía pouco

de casa. Perdera a vista quando tinha trinta anos e, a partir daí, passou a depender-se de sua

esposa Corina. Como morava na beira da estrada que liga Calambau a Piranga, as pessoas

que passavam por ali sempre faziam uma paradinha para um dedo de prosa. Sabia dos

acontecimentos de Piranga e de Calambau, pois a sua casa estava a exatos onze quilômetros

das duas localidades.

Dionísio, depois de um certo tempo, começou a arriscar umas saidinhas. Ia às

casas dos vizinhos, principalmente do vizinho Felício que morava a trezentos metros de sua

casa, também, na beira da estrada. Era comum encontrar o Dionísio na estrada com uma

varinha na mão tentando encontrar os obstáculos dos quais ele desviaria. A vara passou a ser

os seus olhos...

Naquele sábado, quinze de julho, véspera do dia de N.S.do Carmo, tudo girava

em torno da Festa da Venda Nova em homenagem à sua padroeira. Dionísio morava bem

próximo à capela , do lado de Piranga. D. Corina, após o almoço, foi logo dizendo: -“ Dionísio,

estou indo para a capela e não sei a hora de voltar, pois ajudarei a enfeitá-la , assistirei ao

último dia da reza e tem, ainda, o levantamento do mastro e o leilão. Deverei voltar lá pela

meia-noite”.

Como era comum aos sábados, ali pelas duas horas da tarde, chegou o Aplínio,

seu amigo de muito tempo e companheiro de “golos”. Depois de um certo tempo, diz o

Dionísio para o Aplínio: -“Pega estas duas pratas de um cruzeiro e vai até no “Baía”, fazenda

do Zé Carneiro, e compra dois litros de pinga. Os litros estão no embornal pendurado atrás

da porta da cozinha”. Dentro de uma hora, o Aplínio já havia percorrido os cinco quilômetros

de ida e volta à fazenda. Tão logo chegou, entrou em cena a operação “quebra bico”, isto é,

tomar a cachaça que ficava no “bico” do litro. Aí a cachaça vinha para o “ombro” do litro e,

para quebrá-lo, os goles eram maiores...

Por volta das quatro horas da tarde, Dionísio tinha outra missão para o Aplínio :

- “Olha, a Corina só volta lá pela meia-noite, dá tempo de prepararmos um galo para “afogar”

esta pinga” . – “Mas vancê só tem um galo!” exclamou o Aplínio. –“E quem disse que vamos

comer o meu galo? Tão logo anoiteça, você vai até o galinheiro de Felício e “pega” o galo dele.

Pode ir tranquilo, pois o pessoal foi todo para a festa.”

Quando a noite estava bem escura, o tempo deu uma “mudada” e começou

a chuviscar. Dionísio deu a ordem:- “Pode ir Aplínio!” O Aplínio saiu e a chuva foi apertando.

Não demorou muito e ele chegou com o galo. O Dionísio ficou admirado com o pouco tempo

que durou a operação “rouba galo”...-”Fui e voltei correndo prá não “moiá”, disse o Aplínio.

A panela com a água fervendo já estava no ponto. Aplínio sem deixar

o galo “gritar” matou-o, depenou-o e o colocou para cozinhar. Todas as operações

eram intermediadas por goles de pinga. Quando o galo estava quase cozido, o Aplínio

ainda amassou uma panela de angu, por sugestão do Dionísio. Galo pronto, angu

amassado...pegaram o copo de vidro e cada um tomou aquela “talagada” e baixaram no

galo...Quando era quase meia-noite, cachaça e galo nos finalmente, Aplínio ouviu vozes lá no

alto do morro, pro lado da capela. Foi logo dando um jeito de cair fora, pois sabia que D.Corina

estava por chegar. “-Boa noite sô Dionísio, muito obrigado pela janta”. – “Ainda é cedo”,

retrucou o Dionísio. –“Não”, disse o Aplínio, “temos que dormir porque amanhã temos festa”.

O Aplínio foi-se e a D.Corina chegou. –“Mas que bagunça é esta na cozinha?” -“ Foi o Aplínio

que comprou um galo lá no Simeão e trouxe prá nós comer aqui”. -”Cês faz as suas bagunças

e o pior sempre sobra pra mim...” ,retrucou a D. Corina. Foram dormir porque já era muito

tarde...

Geralmente, ali pelas duas da manhã, o Dionísio acordava, pois o seu galo

começava a cantar. O Dionísio acordou, esperou e nada do galo cantar. Acordou a Corina: -

“Corina, você ouviu o galo cantar?” – “Me deixa em paz, não quero saber de galo cantando...”

E o pior estava acontecendo: O galo do Felício estava cantando e como ele também só

tinha um galo, alguma coisa estava errada. Ali pelas quatro da manhã, quando os galos

começam a “miudar”, nada do galo do Dionísio. E o galo do Felício miudando... (isto é,

cantando a intervalos menores).

Tão logo o dia amanheceu, o Dionísio disse para Corina:- “acorda e vai

até o galinheiro pois o nosso galo não cantou esta noite”. D.Corina levantou-se e foi até

o galinheiro e voltou dando a notícia: -“ o nosso galo não está no galinheiro e as suas penas

estão espalhadas pelo terreiro...”

-“ Aquele safado me paga! Bem que eu achei que ele foi muito depressa à casa do Felício...”

Consta que, a partir daí, o Aplínio nunca mais voltou à casa do Dionísio.

Aliás, voltou no dia do seu velório, ocasião em que ouviu “poucas e boas” da viúva D. Corina.

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murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 13/01/2011
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