DIA INTERNACIONAL DA GRATIDÃO

Prof. Antônio de Oliveira*

6 de janeiro

CRÔNICA EM LOUVAÇÃO AO SENTIMENTO (RARO) DE GRATIDÃO

Há algum tempo, vinha pensando em escrever alguma coisa sobre gratidão, mergulhando de ponta a ponta nesse universo que medeia entre a gratidão e a ingratidão, entre o reconhecimento e a falta de consideração para com a pessoa que agiu com generosidade. “Amanhã ele recebia o devido pontapé nas partes adequadas e ninguém mais se lembraria dele”, diz Mia Couto, em Terra Sonâmbula, referindo-se a injunções políticas. Duas vezes é perdido o que ao ingrato é concedido, diz um provérbio. Em compensação – diz outro provérbio popular –, o reconhecimento é a memória do coração.

Protagonista de Érico Veríssimo dilacerada pela ingratidão, Ana Terra desabafa: – Está vendo a Amelinha? Passou e nem olhou pra mim. No entanto, se não fosse eu ela estava a esta hora no cemitério. Nasceu com o cordão umbilical enrolado no pescocinho e ia morrendo esgoelada. Foi numa noite braba de inverno. – Suspirou fundo e acrescentou: – Este mundo velho é assim mesmo. Não há gratidão.

De dez leprosos curados por Jesus apenas um voltou para agradecer a cura. Na realidade, ingratidão é o título do regulamento pelo qual se rege a maioria das pessoas. Ingratidão é a regra prevista no caput do artigo; gratidão, a exceção relegada a um simples parágrafo. Por outro lado, muitas vezes são considerados ingratos os filhos que tomam decisões na vida que não coincidem com os desejos e previsões do pai ou da mãe. Com certeza a gente desaponta pais e amigos. Nem sempre os filhos seguem a vocação ou o projeto de vida profissional que o pai ou a mãe havia desenhado para eles e gostaria fosse por eles seguido. O próprio Jesus de certa forma foi até grosseiro ao perguntar: “Quem são minha mãe e meus irmãos?” E percorrendo com o olhar os que estavam sentados à sua volta, disse: “Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe”.

Sem poder explicar-se ou justificar supostas ingratidões, uma pessoa pode ser tachada de ingrata. O tempo pode trazer o esquecimento. Mudança de emprego, distância, muita coisa pode preencher o rol dos esquecidos. Às vezes somos algozes por ingratidão sem nos darmos conta. Toda experiência humana se realiza, em última análise, na base de escolhas pessoais, entre duas ou mais soluções que se apresentem. Escolhas por vezes difíceis, e que podem magoar alguém. Uma nova visão de vida, novos relacionamentos, mudança de paradigmas e adoção de novos padrões nos levam a podar amizades, ferindo amigos que para nós, então, morrem continuando vivos. Lendo pela mesma cartilha de Clarice Lispector, este é o sentido da poda que dói: “Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri”. Aconselha-se: – Sê como o sândalo que, mesmo ferido, ainda perfuma o machado que o fere. Que Deus nos perdoe a todos as ingratidões, inclusive aos ingratos de carteirinha. E que o Dia Internacional da Gratidão não seja apenas o dia 6 de janeiro. Todos os dias do ano que se inicia sejam dias de gratidão a Deus e ao próximo que, direta ou indiretamente, nos socorre, ajuda ou nos presta serviços. Como cantava Mercedes Sosa, dando "gracias a la vida que me ha dado tanto".

*Coordenador e Supervisor da Consultoria Acadêmico-Educacional (CAED). Técnico em assuntos educacionais há 30 anos, com experiências no serviço público e na atividade privada. Mestre pela Universidade Gregoriana de Roma. Realizou estágio pedagógico em Sèvres, França. É graduado em Estudos Sociais, Filosofia, Letras, Pedagogia e Teologia. Pesquisador e consultor, presta assessoria, dentre outras instituições, à ABMES, Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior, sendo responsável pela montagem do Anuário de Legislação Atualizada do Ensino Superior. Ministra também cursos de legislação do ensino superior.

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fernanda araujo
Enviado por fernanda araujo em 13/01/2011
Reeditado em 26/01/2011
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