CHUVAS NO RIO

10:08h

Trezentos e trinta e cinco pessoas mortas pela ação da chuva na região serrana do Rio de Janeiro. Desabamentos, deslizamentos, queda de barreiras e pontes, rompimento de barragens, incontroláveis tsunamis de lama descendo dos morros em direção às casas, com uma violência inacreditável. Cadáveres em todos os lugares. Isso sem falar nos que ainda não foram localizados, sob os escombros. A morte não escolhe suas vítimas: de recém-nascidos a idosos, de poetas a animais, de indigentes a turistas, de garis a estilistas, de mansões a barracos, de fuscas a pajeros, tudo foi irremediavelmente destruído. Os telejornais invadem nossas casas e deixam corpos enlameados estendidos sobre tapetes e sofás. A lama –seu cheiro, sua espessura, sua cor- invade nosso sono e nos faz repensar tudo: a vida, a família, nossa relação com o dinheiro, com o próximo, com Deus (que está no próximo, e não nos céus, caramba!). Tento contato telefônico com meu poetirmão Sérgio Bernardo, em Nova Friburgo (a cidade mais atingida, e com o maior número de mortos), e depois de algum tempo desisto, ao ouvir na TV que na Cidade está não há telefone, nem água, nem luz. Observo que a topografia das cidades atingidas lembra muito a de Campos do Jordão, e temo, impotente refém que posso me tornar da natureza. Imagino as pessoas rolando, arremessadas, cegas, perdidas em meio a um mundo de lama, galhos, pedras, móveis, cadáveres de gente e bicho (inteiros ou em pedaços) sem chão nem céu, em meio a um turbilhão inimaginável onde todo o sentido e todo o espaço deixam de existir. Penso em Rita Elisa Seda e seu trabalho na então destruída São Luiz do Paraitinga, há um ano atrás, poeta com uma enxada na mão e uma esperança na cabeça. Penso em Sérgio Bernardo, sua família, seus poemas, seu livros, seus cachorros, e torço –mais do que isso, desejo com todas as minhas forças- para que tudo esteja bem, na medida do possível. Penso nos bombeiros soterrados, no IML com capacidade para dez pessoas, nas famílias dizimadas. Neste momento, não importam as razões que levam às repetidas tragédias, que têm data para começar e terminar. Dá até pra colocar na agenda: de janeiro a março, a chuva fará incontáveis mortos no Brasil –basta esperar para saber onde isto ocorrerá, a cada ano. E contar com a incapacidade de nossas instituições para evitar que tais fatos aconteçam. Democracia sólida e país emergente de nada adiantam, quando morros inteiros desabam sobre a cabeça do povo. Há quem diga que o problema é o excesso de gente. Certo. Então o problema não está na inércia, nem na passividade, nem na desfaçatez, nem na burocracia e nem tampouco no pouco-caso dos governos, e sim nas pessoas, que cometem o despropósito de, simplesmente, existir? Acredito, sinceramente, que não se trate de falta de capacidade técnica. Faltam coragem, vontade, estabelecimento de prioridades, falta não deixar que a rotina e o dia-a-dia extirpem da memória dos responsáveis pelas cidades as imagens e os números das tragédias recém-passadas. Falta, talvez, amor ao patrimônio, às pessoas, à história. Não é possível que a burocracia e a falta de planejamentos possam contribuir para a ocorrência das catástrofes, e ninguém pense nisso antes que a catástrofe se dê. Como gostamos muito de competir, proponho que os governos –municipal, estadual, federal- criem uma espécie de ranking: a cidade que tiver mais mortos, a cada ano, ganhará um prêmio. Ao final da década, somam-se os mortos pela chuva em cada município para saber quem será o campeão geral. Teremos bicampeões, tricampeões, tetracampeões... quem sabe até penta? Sim, amigos, o Brasil é penta! Da minha janela percebo que a chuva, mansinha e ameaçadora, recomeça em Campos do Jordão.

Benilson Toniolo
Enviado por Benilson Toniolo em 13/01/2011
Código do texto: T2727176