CULTURA E RESISTÊNCIA - Primeiro Festival Latino Americano de Música Camponesa

Primeiro Festival Latino Americano de Música Camponesa

20 de novembro de 2004. No início da tarde, as brigadas se reúnem em frente ao portão de acesso à plenária. Os militantes entoam hinos em louvor aos patronos, à reforma agrária e à possibilidade de construção de um sonho chamado Brasil. Bandeiras, gestos simbólicos e disciplina. Resgate histórico dos heróis Mao Tsé-Tung, José Martí, Teixerinha... Aos poucos todos os participantes entram no salão para o primeiro evento da tarde: mostra do filme “Diários de Motocicleta”.

Silêncio! Dois telões nas laterais do palco atraem a atenção. Durante a exibição, os presentes estão entregues ao roteiro: o caminho percorrido por Che Guevara e Alberto Granado e a transposição das margens. A travessia do jovem estudante de medicina possibilita o encontro com o revolucionário no rio das primeiras percepções da injustiça social que divide a América Latina em desgastados solos.

Os cadernos ofertados no credenciamento do evento são usados para anotações. É necessário o repasse nos assentamentos de origem para ampliar a experiência. Homens e mulheres rabiscam as imagens espelhadas nos mineiros chilenos, nos índios peruanos, nos excluídos pela cultura, nos excluídos pela doença, na ignorância, na história... Resistir sempre.

No centro do palco, o mapa da América Latina colorido em formato de violão, ladeado pelas bandeiras do Brasil e do MST, dá vida ao sonho da película. Uma turma de formandos de um assentamento é chamada ao palco para a entrega do diploma e da bandeira para cada militante. Abraçados, os formandos deixam o riso mostrar a satisfação de uma nova etapa vencida.

Intervalo. Exposição de fotos, artesanatos, livros... Os olhos caminham os percursos das sementes e repousam nos livros expostos: Gorki, Emir Sader, Rosa de Luxemburgo, Che Guevara, Jack London, César Benjamim... O vendedor (militante) mostra com humildade o conhecimento que adquiriu na leitura e ressalta o amor próprio resgatado nos livros. Fala sobre o período pré-revolucionário em que Gorki escreveu “A Mãe”, a densidade do prefácio do Frei Beto, a complexidade dos textos de Rosa de Luxemburgo, a leitura de “Reforma ou Revolução”...

“Você já leu tudo?” Diante do espanto e do inusitado questionamento, o jovem vendedor responde com naturalidade que é dever de todo militante se instruir para interpretar a realidade. Só a cultura pode afirmar o homem como agente de transformação.

Os participantes lotam o salão para ouvir a conferência “Bocas Del Tiempo” de Eduardo Galeano. Distantes do palco, muitos jovens fascinados, adultos engajados e crianças atentas acolhem as palavras e estruturam os próprios centros de convicção. O escritor uruguaio apresenta seu novo livro, intercala opiniões sobre o cenário internacional e a vitória da esquerda no Uruguai.

“Há um pecado que não merece perdão, é o pecado contra a esperança”. Eduardo Galeano desnuda as emoções dos participantes. Todos aplaudem entusiasmados enquanto refletem sobre a extensão dos pensamentos expostos pelo autor de “As veias abertas da América Latina”.

Anoitece. O locutor anuncia a morte do Celso Furtado. Os presentes prestam uma silenciosa homenagem ao economista. Encerradas as atividades, resta a grande expectativa pela conferência “O legado de Che Guevara” de Aleida Guevara, filha do revolucionário, no domingo de encerramento do Primeiro Festival Latino Americano de Música Camponesa. Uma das faixas se destaca na entrada e imortaliza o pensamento do revolucionário: “Quando o extraordinário se torna cotidiano é a revolução”.

O jornal noturno lança o negro véu sobre o brilho da tarde. Em Felisburgo, pistoleiros invadiram um assentamento do MST, mataram cinco pessoas, feriram outras tantas e colocaram fogo em algumas construções. A notícia encerra com a imagem do que restou da escola incendiada. O conflito se expande além das fronteiras do assentamento e ganha novos contornos na dedicação do vendedor de livros instruído, militante de uma nova consciência em busca de identidade.

O I Festival Latino Americano de Música Camponesa foi realizado em Curitiba em 17 a 21 de novembro de 2004 com o objetivo de divulgar a cultura, com mostras de cinema e vídeo, fotografias, músicas e produtos da cultura camponesa latino americana. O evento foi promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e pelo Governo do Estado do Paraná.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/06/2005
Código do texto: T27305