e eu não gostei de Budapeste

E eu não gostei de Budapeste

Fatima Dannemann

Imaginava algo grandioso, com certa aura de mistério, como a música do Jethro Tull. E era... Imaginava o Danúbio correndo dos dois lados de cada cidade, Mas não era uma ilha. Eram duas cidades interligadas pelas pontes por onde andaram reis e rainhas. E do alto o castelo contemplava o rio e as pessoas que corriam com medo da tempestade. Nos dois lados do rio, bosques escondiam lobos, esquilos, corujas, cervos. Alem do bosque, tocavam violinos ciganos. E alguém falou que parecia Paris. Mas não era...

No calçadão da Vatchi Utca, tentava pronunciar nomes equisitos. Palavras esquisitas e faladas pareciam esconjuros mágicos. Mas não eram... Kösönom, obrigado, que pronunciado lembra qual seu nome. E ninguém responde nada. O goulash vem num caldeirão e a palinka servida no “miguelito” anuncia que a noite dormiremos todos bêbados. E foi mesmo assim. Enquanto isso, as águas do Danúbio não parecem azuis e são quase negras. Logo ali em frente é a Romênia. Mas aqui... Não era... E o mercado apinhado de gente. Turistas que se acotovelam em busca de quinquilharias. Lá embaixo a páprica é vendida com vinho tokay. Pimenta que na boca de quem prova o goulash é refresco.

Memórias húngaras numa tarde de verão. Vitrines, engarrafamento, correria. Alguém lembra que o sol se põe no oeste que ali fica atrás das colinas de Buda. Pest? Faz jus ao nome. É cinza e feia como lembranças dos tempos em que o país foi dominado por outros povos. Do alto da coluna, o Arcanjo Gabriel abençoa a cidade e uma guia ranzinza diz que as obras de Picasso são apenas uns quadros que ele pintou para homenagear as namoradas. Desprezo numa face que não sorri e demonstra saudades dos tempos de pouca liberdade.

Húngaros parecem correr atrás do tempo perdido. Tudo custa cinco euros. Ou quarenta. Numa cotação de câmbio que dá nó nos cérebros pouco matemáticos. Os olhos das pessoas são azuis como o céu de verão sem nuvens. Não se ouve o Jethro Tull, mas a cidade é grandiosa e, de certo modo, bela. A magia das pontes iluminadas se acentua ao som de uma rapsódia de Liszt. A cidade tem o som de violinos e as pisadas firmes do sapateado dos ciganos. Doido contraste entre medieval, pós-moderno e cigano. A cidade não tem graça quando relampeja e troveja. Tudo se derrete pelas águas da chuva. Arvores caem, pânico e alguém confunde raios com fogos de artifício.

E a Hungria se mostra confusa como um saco de gatos. Um país que já passou poucas e hoje estaria numa boa se não fosse o Forint, uma moeda desconhecida no resto do mundo, com quase nenhum valor. Olhos nativos brilham ao divisar euros nos bolsos alheios. Mãos furtivas batem carteiras, dizem. Mas eu não vejo. Ruas cinzentas, casas escuras, ciganos, florestas. E se o lobisomem aparecer? Basta assoviar ensina alguém cantando uma musiquinha que servem para os lenhadores voltarem para casa sãos e salvos depois de atravessarem as florestas no meio da noite.

Budapeste, o Danúbio iluminado a noite coroa uma rainha. Sissi andou por la. Atila, o huno, também viveu por lá. Mas a moça que não sorri não fala em List. Prefere Bartok, das músicas que ninguém ouve mas que os estudantes de piano precisam decorar para as provas. E eu imaginava algo grandioso como um rock do Jethro Tull. Achei uma cidade monumental, e era. Cheia de gente que não sorri. E eu não gostei de Budapeste.

Maria de Fatima Dannemann
Enviado por Maria de Fatima Dannemann em 26/10/2006
Código do texto: T274029