Pele

Milhares, ou milhões (sei lá dimensionar o tempo da existência do homem na terra) de anos de civilização, de ética, de leis, de valores morais e religiosos, etc. Tudo isso vai por água abaixo, ou se desconstrói como um castelo de areia, quando esbarramos com uma tal pele, e seus odores, sua espessura, seu contorno.

Pele, carne, química, sei lá. Mas às vezes acontece. Uma determinada pessoa cruza nosso caminho e nos tira da razão, esquecemos o que é razoável, ignoramos o que é sensato, nada mais importa, esquecemos que somos seres éticos e morais, e nos jogamos na lama do instintivo, do animal.

A pele, o cheiro, a saliva, o toque. Tudo é demais quando isso acontece, e nosso corpo reclama o corpo do outro, o abraço, a boca, os dentes. Queremos devorar e sermos devorados. Um misto de agonia e desejo invade todo nosso ser, e nosso coração dispara. Nada mais importa! Tudo mais é pequeno!

Este é um momento que põe em xeque toda a sociedade. O macho, a fêmea (ou mesmo pessoas do mesmo sexo) em um bar, uma esquina, um quarto... Tomados pelo desejo, inflamados pela luxúria! Todo corpo do outro é um convite a ser explorado. Tocamos, somos tocados. Queremos a língua, cada poro, cada buraco. Banhamo-nos da saliva do outro como água que rejuvenesce, mas não refresca, esquenta!

Não há ali, onde quer que os corpos estejam, nem um papel social. Os atores se despojam de suas máscaras, seus andrajos sociais são rasgados, atirados longe. Nem advogados, nem químicos, nem juízes, tampouco párocos ou professoras: Apenas os bichos no cio se devorando, toda a lúxuria e impudicícia em forma de suores, esfregões, apertos e chupadas.

A pele. Branca, preta, parda, amarela. A pele. O imperativo da carne que deseja. Que faz o outro salivar como um dos cãezinhos de Skinner. A pele, a carne, o cheiro do outro, que nos toma de supetão e nos tornar loucos de desejo, de vontade, de necessidade. Sei lá o que é isso, como se chama isso. Só sei que é imperativo e não deixa margens para titubeações ou vacilos: Queremos o outro! Queremos devorá-lo, agora! Já!

Quando isso acontece, de nada adianta lamentar! De nada adianta sublimar. Qual o quê retardar!? Quando isso acontece, quando o cheiro da pele é tão forte assim, somos apenas vassalos dos instintos. E aí, é adeus aos ditames sociais, à ordem, ao progresso, às leis. É o bicho que aflora. São os animais que se impõe. Quando o cheiro da pele nos toma, quando as secreções do outro nos envolvem, somos títeres da anarquia e da desordem animalesca que está subjacente em todo humano. Somos cão sem dono, barco sem rumo, avião sem tripulação, um bólido desgarrado e desgovernado.

A pele transpirando, cheiro forte de carne fervente. Odores agridoces que só fazem a vontade crescer. Como resistir a tanta vontade? Como descrever tanta agonia? Nem as leis, nem as regras, nem mesmo a poesia ou as letras. Nada se impõe à pele. Resta apenas deixá-la nos desorganizar e depois dos excessos por ela suscitados, agüentar as conseqüências deste tsunami de desejos, e tentar voltar ao bom convívio social... Até a fome voltar.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 20/01/2011
Reeditado em 21/01/2011
Código do texto: T2741446
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