Um Cabra Macho

José, um cabra macho,saiu do nordeste para São Paulo, pelos idos de 1940, viajando de pau de arara e trem. Vendeu tudo o que possuia; um burro, um pedacinho de terra e um barraco. Dividiu a herança entre os irmãos; o vestido usado da mãe(falecida) para Maria, o camefeu de osso que a mãe usava, para Josefina e o chapéu que fora do pai(que Deus o tenha) para Raimundo. Enfiou na mala; o terno branco de festa, algumas ciroulas, as duas calças de linho, camisas e outras bugigangas. No bornal; o pão que Maria fez, uma rapadura e farofa de jabá.

Com frio e fome fez sua viagem, mas trazia no peito a esperança de ser gente e na cabeça a agonia pelo desconhecido. Desceu do trem na cidade de Bauru, apalermado. Era tanta gente! Para onde ir?

Ouviu alguem falar numa tal cidade. "Sera que foi Maravilha ou Marilia?"

Também com tanto barulho, como iria entender? Resolveu ir também. Acompanhou a pessoa que ouvira e entrou na fila de passagens.

-Pro memo lugar do moço ai.

José, o cabra-seco, chegou em Marilia. No centro da praça, muita música e barracas armadas onde vendiam coisas.

"O que será aquilo? Vo vê de perto."

Tornou-se mais uma atração na quermesse.

Os pés dentro das alparcatas sentiam o desconforto da longa viagem, a mão agarrada às alças da mala - como se ele fosse fugir - ja não se aguentava. A barriga roncava e a aparência pior ainda. Era todo desengonçado. Ouvia sons estranhos, palavras estranhas e via o povo que o admiravam.

_ O seu Zé, olha o quentão! Compra, compra seu Zé, ta danado de bão!

Como é que o homem da barraca sabia que ele precisava de uma coisa quente para aquecer a barriga e esquentar do frio?

Remexeu nos bolsos e no bornal, achou uns trocados( o graúdo estava guardado, podia precisar) e um naco de pão seco." Vo compra esse tar quentão, as veis me mata a fome."

- Moço, mi da um quentão!

-aguarda-

_ Não moço, num quero poco, não. Da um copo grande!

Olhado com olhos surpresos, recebeu o que pedira. Mordeu o pão e sentiu tudo queimar no gole da bebida. Engasgou. Os olhos saltaram. Que desgraça! Será que o inferno queima tanto?

Não sabia se gemia, se chorava ou xingava o vendedor.

Sentiu todos os olhos; olhos grandes e pequenos, olhos claros e escuros, olhos serios e risonhos que o penetravam.

" Coragem Zé! Tu num é home não, cabra da peste! Engole isso Zé"

E lembrou da vez que teve que enfrentar uma onça(onça?) na mata de Alagoas...Do baile que Lampião acabou...das vezes que atravessou o mato e o riacho durante a noite, so pra ver Joaninha...

" Ah! Joaninha, se ocê não tivesse casado com otro..."

O copo na mão e a cabeça cheia de lembranças para dar coragem.

" Oxente Zé, tu é home , cabra!

Esquecido do pão, respirou fundo, estufou o peito e tomou o quentão a grandes goles para passar logo o sofrimento.

Sentia um misto de dor e coragem. As labaredas o queimavam. José fungava. Quase desistiu. Teve ímpetos de jogar o tal quentão no vendedor, mas era homem de coragem. Gostava de pimenta, mas nunca havia provado cachaça; e aquela mistura desconhecida...

Enquanto sentia as ultimas chamas do quentão, pagou desconfiado e lá se foi José com seu fardo de desilusão.

(baseado em relatos de meu pai,sobre sua vinda para Estado de São Paulo)

Raquel Teixeira Leite
Enviado por Raquel Teixeira Leite em 20/01/2011
Reeditado em 24/01/2011
Código do texto: T2741551
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