TAIOBA

Passo pela feira do meu bairro e leio na placa do verdureiro: “Taioba”. Repentinamente sinto-me transportado na “máquina do tempo”, rumo ao passado saudoso. Lá estou eu, oito anos de idade, ao lado de meu pai, no ponto do bonde, de cujo número e destino já não me recordo, mas que, com certeza, passava no subúrbio onde nasci.

Sempre gostei das viagens de bonde. O pai me permitia sentar na ponta do banco, desde que eu prometesse ficar bem quietinho, além de enlaçar, na minha, a sua poderosa e protetora mão. E lá ia eu olhando as casas que passavam e reparando melhor nos jardins, quando o bonde parava para recolher novos passageiros ou até mesmo para a descida de um único. O motorneiro (assim era chamado o homem que acionava os controles do bonde) somente dava partida quando o condutor (encarregado da cobrança das passagens) acionasse duas vezes a campainha destinada a sinalizar,também, quando um passageiro queria descer. Nessas paradas eu ria dos cachorros que latiam para o bonde; dos papelotes que as mocinhas usavam para tornar os cabelos encaracolados; das trouxas de roupas que balançavam nas cabeças das lavadeiras, em fantásticos prodígios de equilíbrio, tudo pronto para a entrega aos fregueses; da algazarra que meninos e meninas da escola pública faziam ao tomar o bonde.

Nesse momento senti a mão de meu pai apertar ligeiramente a minha, num costumeiro sinal de “atenção”. Olhei para ele e vi o indicador da mão que não me segurava apontando para um veículo que eu ainda não conhecia e que acabara de parar à nossa frente. Não era verde, como o que sempre tomávamos, mas marrom e não tinha o carro reboque usado pelo “nosso” para recolher mais gente por viagem.

― Vamos pegar esse aí hoje, pai ? ― perguntei curioso.

― Não, filho. Esse aí é o Taioba.

― Taioba? O que é isso? É porque ele tem cor diferente?

― O Taioba é um bonde criado para uso das pessoas que precisam transportar cargas ou objetos que não caberiam nos bondes comuns.

― Quer dizer que o Taioba pode levar as trouxas daquelas senhoras que lavam roupa pra fora?

― Exatamente, filho. Levam, também, cargas maiores, como verduras e legumes de pequenos produtores; levam material de construção como tijolos e sacos de cimento; levam ferramentas de trabalhadores, tudo isso desde que em quantidades e pesos razoáveis. Eles não têm bancos para as pessoas que carregam as mercadorias sentarem Vão todos de pé, no meio, ao lado dos volumes.

― A gente pode viajar no Taioba, pai? Lá num cantinho, sem atrapalhar?

― Não, filho. O Taioba é exclusivo para transporte de cargas e das pessoas donas delas. A passagem é até mais barata do que a do nosso bonde verde, porque a maioria das pessoas que faz uso dele é gente pobre.

― Agora entendi, pai. Foi uma boa idéia inventar o Taioba.

A voz do verdureiro me fez diluir a imagem do passado e me trouxe de volta à feira do meu bairro. Percebi que várias pessoas me olhavam enquanto eu continuava sorrindo, sem tirar os olhos da placa: Taioba.

― Vai taioba hoje, freguês? Está fresquinha. Pode levar sem susto.

― Vou querer toda a taioba que o senhor tem aí.

O feirante encheu várias sacas plásticas com as taiobas e, enquanto pagava, perguntei em voz alta para ser ouvido por todos que estavam em volta da barraca:

― A que horas passa o Taioba?

Ficou todo mundo sem entender nada.

Ruy Soares da Silva
Enviado por Ruy Soares da Silva em 26/10/2006
Reeditado em 27/10/2006
Código do texto: T274199