TUDO É PASSAGEIRO

Acomodada no assento de número 04 no ônibus da Viação "X" via Mimoso do Sul - Vitória, saindo de às 6:15, eu, com um bruto sono, pretendia dormir até que o sol não deixasse mais. Seria uma longa e cansativa viagem...

Sentou-se ao meu lado um senhor de,... uns 70 e poucos anos (creio). Ele fala, com expressiva alegria, ao trocador que se aproxima da gente:

_ Tenho só 75 anos bem vividos, meu rapaz!!! E apresenta, com orgulho sua carteirinha de idoso. Mas o trocador espera dele, como dos demais ocupantes dos assentos deste veículo, apenas o dinheiro da passagem.

_ A passagem é R$37,87, senhor!

Ele, sem graça, tira da carteira uma nota de R$50.00 e entrega ao rapaz. Recebe o troco e, contrafeito em seu direito de idoso, recolhe-se em um silêncio soturno.

Fico imaginando,... remoendo comigo essa situação. Sei que o motorista deste coletivo olha para traz e vê que “tudo é passageiro”... o trocador que anda se equilibrando no corredor do veículo e nos cobrando a passagem, por sua vez, pensa a mesma coisa. Mas passageiro é também o tempo. E nossos direitos, também vão passar?

Onde ficam os direitos humanos aclamados pela ONU, conclamados pelas nações? Na esfera das idealizações? No campo da utopia? No plano da ideologia??? E a capacidade de entender que o cidadão idoso já contribuiu com sua força, experiência de vida, sabedoria, e tem e deve ser respeitado em seus direitos conquistados no decorrer de sua vida profissional?... Bem já dizia Cazuza: “Ideologia, eu quero uma pra viver”.

Os heróis de Cazuza “morreram de overdose” ; os meus, de injustiça social na fila da previdência, das agencias bancárias, dos postos de saúde, amontoados nos asilos e, se não têm dinheiro pra passagem, na rodoviária... Bem fazem os índios que assumem seus idosos como pajés, sábios de sua tribo, encarregados de passar sua sabedoria aos mais novos e nutrir o equilíbrio de sua comunidade. Nós, ... vulgo “civilizados” ainda não aprendemos isso.

Fiquei muito indignada com a situação, mas tamanha foi, que me deu um imenso nó na garganta. Confesso, entristecida, que a única coisa que eu consegui fazer foi perguntar a idade do jovem rapaz. Ao que ele respondeu prontamente: “23 anos”. Em seguida, (mesmo sabendo que ele poderia se esconder na desculpa de “estar cumprindo sua obrigação”), falei-lhe que “sua juventude também é passageira” e quando ele for idoso, oxalá as pessoas sejam mais conscientes e saibam cumprir a lei, já que atualmente, pelo menos nesta manhã de domingo, neste ônibus da Viação "X", não conseguiram...

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 24/01/2011
Reeditado em 25/01/2011
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