RABO ABANANDO O CACHORRO

Rabo abanando cachorro

Cheguei já era tarde. Abri a porta só ouvi os gritos do vizinho da casa germinada, ao lado:

- Sai do meu pé véio, vai cuidar da tua vida seu inútil! Tu já passou da hora de fechar o paletó, não encha o saco não, cala a boca e vai dormir véio nojento! Tô saindo.

Entrei , sentei, coloquei minha bolsa e as chaves do carro em cima da mesa, meus pés doíam, minha cabeça rodava, louca por um banho...

Não tive nem forças pra levantar, senti uma angústia atravessar meu peito, e chorei amarguradamente , ouvindo o pai de Marcelo chorar de tristeza do outro lado.

Lembrei de meu pais, do carinho dispensado, de minha mãe a minha espera com a mesa posta, minhas roupas alvas e passadas, da luta de meu pai em uma marcenaria, trabalhando anos a fio para pagar minha faculdade. Via mamãe ariando as vasilhas, e em suas canções seu agradecimento por papai e pelos filhos em sua vida. Papai chegava tarde, mamãe amorosamente o esperava com um creme que ela mesma preparava para amenizar os calos que trazia nas mãos de tanto trabalhar. Quantas coisas me recordo!

O respeito mútuo que tinham um pelo outro, o carinho, a compreensão... Eu jamais ouvi meu pai gritar com ela ou vice versa. Quando eu e meu irmão queríamos sair para uma festa ou qualquer outra coisa, bastava o olhar dos dois para sabermos se podíamos ir, ou não. Nós o respeitávamos, não morávamos em uma casa, mas em um lar, onde todos falavam a mesma linguagem, e acima de qualquer coisa, amávamos uns aos outros.

Papai se foi antes de mamãe, partiu dormindo, mas na noite anterior conversou muito comigo e André, meu irmão caçula, preocupado com o nosso futuro, tento crer que ele já sabia que iria ter este encontro com Deus. Passaram-se 06 meses, mamãe também partiu, talvez de saudades de papai. Penso eu.

Ficamos nós, André se casou, e pediu transferência para Florianopólis, eu faço mestrado, e dei continuidade a marcenaria de papai.

Já eram 1 hora da manhã, Marcelo não havia chegado, seu Agenor conseguiu dormir ao som do próprio soluço.

Que pena tenho deste homem de 70 anos que perdeu as rédeas dos próprios filhos!!!

Que pena tenho dos jovens de hoje que não sabem mais de seus limites. É filho matando pai, pai matando filho, não sabemos mais que é quem.

Não sabemos mais aonde está o fio da meada, não se pode mais bater, mas se pode apanhar.

Que barbaridade, meu Deus? Que cárcere espiritual é este que criamos cotidianamente para nós mesmos?

É pai transando com filha, filho transando com tia, jovens que ainda não foram desfraldados, cheirando coca, crack, assaltando, violentando, pixando, já não sabemos mais para que lado ir.

Já não podemos mais dormir com as janelas abertas sentindo o perfume das flores que encantam nossos jardins.

Já não podemos mais brincar de amarelinha, jogar queimada com nossos amigos no quintal do vizinho, brincar de roda, jogar peão, pular corda, trocar figurinhas e saltitar de felicidades por ter conseguido um numero do álbum, cobiçado por todos. Não podemos mais ficar na janela admirando a lua cheia, não podemos mais com a certeza de que iremos voltar, nos encontrar na casa de vovó, para fazermos pão de queijo, pamonhas, doce de leite, quebrador...

Meu Deus, meu Deus?!? O que será de nós? O que estamos deixando para nossos filhos, netos e bisnetos, já que somos responsáveis por todos aqueles que cruzam nossos caminhos?

O que fizemos com nossas essências?

É bom lembrar que os calos nas mãos de papai após tanto trabalho para que tivéssemos uma boa educação, um bom princípio, não sangram mais.

Qual a diferença atual de preço e valor?

3hs da manhã, consegui tomar meu banho, tento dormir ouvindo as canções de ninar que mamãe cantava para nós todas as noites.

Maria Bernadete
Enviado por Maria Bernadete em 24/01/2011
Código do texto: T2750084
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