Saudades de mim. 9 Crendices.

Na fazenda desconhecíamos luz elétrica, tevê nem existia, e rádio, só os mais abastados possuiam. Eram rádios enormes, movidos à bateria e a antena era um arame esticado em cima do telhado entre dois bambús. As crendices eram abundantes, principalmente nós as crianças acreditávamos em tudo. Por exêmplo se andássemos por uma estrada e víssemos as marcas na terra onde um cavalo havia rolado, ( os cavalos deitam-se e se espojam na terra) dávamos uma volta para não pisar nas marcas e cuspíamos três vezes senão..... a mãe morreria. Andar de "fasto" nem pensar.... senão a mãe morreria. Se um calçado virasse de sola para o ar, tinha que desvira-lo bem rápido, senão.....a mãe morreria. Se uma coruja piava em frente de uma casa, era desgraça na certa, alguém ia morrer, tinha que "esconjurar". Nos pastos tinha uma planta que se chamava "arueirinha", era um arbusto e se a gente relasse nele sem ver, ficava todo empipocado, mas se a gente visse a planta e desse bom dia, nada acontecia. Tínhamos medo de cachorro louco, de Lobisomem, de Alma Penada, Mula sem Cabeça, Sací Pererê e de escuro. Minha mãe tinha medo de tempestade, era só começar a chover forte e dar uma trovoada, ela nos colocava debaixo da mesa da sala e ia acender "palha benta" e rezar prá Santa Bárbara, que era a santa da devoção dela e protegia das tempestades. Eu gostava de tempestades, até hoje eu gosto, era tão bom deitar debaixo das cobertas, ouvindo o zunir do vento entrando pelo vão das telhas junto com respingos dágua, enquanto lá fora o mundo se acabava em raios e trovões. Também acreditávamos que ao chupar laranja ou mexerica e encontrarmos gomos pequeninos tínhamos que ofertá-los aos anjos, não podíamos chupa-los, colocávamos então num lugar alto, geralmente no mourão da cerca e lá ficava esturricando ao sol a espera do anjinho "papão". Se perdíamos alguma coisa pedíamos ajuda a São Longuinho e se encontrássemos o objeto perdido davamos três "pulinhos" para pagar a promessa. Quando perdíamos um dente de leite, jogávamos em cima do telhado e dizíamos: Andorinha, andorinha, me dá um dente novinho que eu te dou meu velhinho. Se estivéssemos em lugar ermo e ouvíssemos um assobio, morríamos de medo,pois acreditávamos que era o Saci Pererê querendo nos atrair para fazer malvadezas. Quando tínhamos feridas deixávamos os cães lamberem, acreditando que assim sarava mais rápido Os adultos também tinham crendices, como não comer felipe de banana para não ter filhos gêmeos, colocar ovo chôco no mourão da cerca para "espantar" a chuva, varrer atrás do caixão do defunto para ele não voltar e assombrar, cruzar os dedos, bater na madeira, perigrinar-se. As moças que queriam casar colocavam o Santo antonio de ponta cabeça até elas conseguirem um noivo. Ah,mas já faz tanto tempo e outras coisas agora ocupam minha mente, mas não são melhores que as crendices de menina, pois são preocupações com política, meio ambiente, educação, segurança, saúde..... Saudades de mim.

Madaja Dibithi
Enviado por Madaja Dibithi em 30/01/2011
Reeditado em 06/02/2011
Código do texto: T2761774
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