Gentilezas

Wilson Correia

Não tinha nada. Nunca havia tido nada. Confiava-se à crença de que o desprezo do mundo é o ideal da vida boa. E já contava mais de sessenta anos. Todos vividos no nada.

Mas tinha seus desejos. Pequenos, claro! Não os negava. Uma xícara de café. Talvez um copo de leite. Muito além, um picolé de uva ou de limão. Um ponche seria luxo –para ela que vivia de fubá!

O filho de fora veio e lhe deu cinquenta reais. Ela pensou sobre os muitos insignificantes desejos que vez ou outra a aturdia. Vou pelo mais simples, pensava ela. E cochichava quereres.

Alguém bateu na porta e ela não adivinhou quem. Apenas torceu a chave. Era um pedinte. O filho generoso que havia chegado de fora estava no quarto contiguo à sala, cuja porta fora aberta ao andarilho. Ouvia sem ver.

Mas ela se esqueceu do filho. Voltou-se inteira para aquele homem esfaimado que lhe pedia um pão ou o trocado. Ela se lembrou de seus milhares de ínfimos quereres. Foi ao quarto, instante em que passou a ser observada pelo olhar do filho, tal como uma dessas câmeras de hoje para as quais você deve sorrir porque está sendo filmado.

O filho viu quando ela socou a mão debaixo do travesseiro puído e sacou de lá a nota dos cinquenta reais. Via-a, em silêncio, retornar na direção do mendigo. Viu-a estender-lhe a mão aberta doando-lhe os cinquenta reais –gesto que não se consumou.

A cena enfureceu o filho. Ele se jogou sobre a mão dela, pegou a nota e deu um tapa toupeiro muito forte e brusco no braço de sua genitora, emendando que havia dado aquele dinheiro a ela, e não a qualquer mendigo que por acaso lhe abordasse.

O que dói nessa história (encontro de misérias compartilhadas) foi ver aquela mãe tomar-se de um silêncio de pedra, sepulcral, voltar-se absurdamente muda para o quarto, muito naquele sentimento de se ver na pele da última das últimas do mundo, enquanto o filho gentil vociferava impropérios contra a falta de gratidão de sua própria mãe.

Logo, contrariamente ao Profeta Gentileza, nem sempre gentileza produz gentileza no mundo. Nossas miopias são iluminadas de múltiplas cores.