Bordando vidro quebrado

Em manhãs frias, de fins inglórios de madrugadas, ao acordar, sempre a penar de insônias eternas, arrastado feito moribundo por um sono arrebatador, maior que do início da noite, me refaço. Por tempo ressono acordado, sem muito pensar. Saio de mim, me redimo, me rebaixo, me retorno. Volto a mim. Creio que apenas sou eu quando estou só, na cama, a acordar, a pensar. Do resto sou personagens. Visto máscaras e fantasias. Da lama que me sobra sou maquete, vidro, espinho, flauta, uivo, berro. Ali vou assimilando o dia que virá, gradativamente. Vou literalmente acordando. Sinto medo, repugnância, dores, calor, fome, nojo. Sinto que sou sentimental. Tenho vontades: vontades de me atordoar, vontades de ser simples, vontades de voar, de experimentar. Ali me resolvo, decido horizontes atordoados, réstias e restos de arpoadores, migalhas de cóleras, de fezes, de orgasmos. Ainda semi-acordado-semi-dormindo vago meu interior, bocejo desejos, espreguiço morangos, dragões, cartas, pedras, vielas, olhos e girassóis. Retorno a quando tinha dias de vivencia, mal tendo nascido, mal tendo parido, chorando agora sem lágrimas, chorando sem motivo, sem dor, rouco, mudo, cego. Viver é refazer a cama, o berço, à tona, a lona, o colchão. É voltar e seguir, no passado que ainda virá.