Aprendendo a desenhar

Uma das poucas lições práticas que trouxe da faculdade para minha vida foi-me ensinada por um professor muito especial. Ele tentava nos passar técnicas para desenhar bem, utilizando o lado direito do cérebro. Este é o lado responsável pela emoção – contrariamente ao outro lado, o esquerdo, o da razão, o que dá nome e definição às coisas que vemos e ouvimos. Uma destas estratégias era, ao tentar fazer um desenho e achar que não se estava sendo bem sucedido, simplesmente girar a página, olhando tudo de ponta cabeça (ou através dela, de trás para frente); e, ao mesmo tempo, não tentar definir o que seria aquele rabisco que víamos às avessas e continuar desenhando livremente. Resumindo, a técnica nada mais era do que uma tentativa prática de ver uma situação por outro ângulo, coisa difícil para quem fica obcecado por uma solução sempre tendo como referência um mesmo ponto.

Mais que aprender a desenhar, aprendi a recomeçar. Porque recomeçar não é novidade, estréia ou início: é outra coisa. O recomeço significa tomar a situação de onde se encontrava e dar a ela novo rumo; mudar certas atitudes, olhar diferente para algumas pessoas, redefinir paradigmas. Muito mais difícil, já que as estréias se apresentam como novas esperanças, quase sempre excitantemente motivantes, porém os recomeços exigem de nós grande dose de desprendimento, criatividade e desapego.

Ao recomeçar, parece óbvio que necessitamos aprender a ver tudo por outros ângulos, sem vícios, tentando lidar com situações conhecidas de formas diferentes. Mas recomeçar é também fonte de esperança e, principalmente, um teste para nossa flexibilidade. Novas situações são como nascimentos; recomeços são ressurreições. O recomeço pressupõe uma vida anterior, que deverá ser revista para que possa ser transformada em outra.

Se recomeçar pressupõe a morte de algo que nos incomoda, podemos utilizar seu corpo sem vida como terreno fértil para que sobre ele renasça outra coisa diferente e melhor. Com a vantagem da experiência, temos a possibilidade de transmutar os incômodos em prazeres, os fracassos em sucessos; temos a chance de mudar o rumo de nossas vidas abrindo novas estradas... Como girar a página de um desenho mal feito e ver, de repente, uma potencial obra de arte. Ainda que não acabada.

Recomeçar, olhando com olhos novos (ou novas lentes) o que já é conhecido, não é fácil: exige-nos consciência, ciência e paciência - consciência para saber o que deve ser mudado, ciência para saber como fazê-lo e paciência para aguardar os resultados.

__________________________________________________

Redesenho / releitura de um texto de junho de 2009 denominado "Recomeço"

__________________________________________________

Este texto faz parte do Exercício Criativo "Recomeço"

Saiba mais, conheça os outros textos acessando:

http://encantodasletras.50webs.com/recomeco.htm