Dúvida

Não é recente a tentiva de se achar a maior dor que aflige a alma humana. Muitos foram os que tentaram descrever esse mal. Miguel Falabella, por exemplo, acredita que o maior desconforto é a dor da saudade... “(...) Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é a saudade. Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. (...)”.

Já meu querido Luis Fernando Veríssimo, gênio da crônica (título que ainda irei compartilhar com ele, honrosamente) vê o “quase” como impossível de se conviver... “ (...) É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou. (...)”.

Antes de Luis, mas com a mesma “idéia dolorida”, Mário de Sá-Carneiro, poeta e cronista português, (Narcisista, característica motivada certamente pela carência materna, já que tornara-se órfão ainda em fraldas. Acho que é por isso que tenta também desvendar os males que cercam as almas), relata sua dor maior com o “quase”... (...) – Ai, a dor de ser-quase, dor sem fim...Eu falhei–me entre os mais, falhei em mim, asa que se enlaçou mas não voou...(...)”.*

Nem mesmo o grande poeta e dramaturgo inglês, Shakespeare, tinha certeza de sua existência. Deixou exposto em sua mais conhecida tragédia, Hamlet: “To be or not to be: that's the question” (Ser ou não ser, eis a questão). Claro, uma declaração contextualizada.

Na minha humilde concepção, porém não menos reflexiva, a maior dor é a da dúvida. Não essa dúvida corriqueira como que roupa vestir, que canal assistir ou de que lado da cama dormir. É a dúvida do que foi feito ou não, do que deixou para trás, do que poderia ser vivido se o caminho escolhido fosse outro.

Como conviver com a idéia de que se eu tivesse ficado....mas, e se eu tivesse ido? Pensar que se tivesse tido outro comportamento as situações seriam diferentes. Melhores, piores? Não lhe enlouquece? É como se chorasse um arrependimento sem ao menos saber pelo quê se está arrependido. Não há como prever os resultados de uma escolha assim. A vida nos dá caminhos vários, mas como ter certeza de que está trilhando o certo, ou qual lhe trará melhores resultados? Dúvida!

Mesmo na própria definição desta palavra maldita há dúvidas: “dúvida é um estado mental ou uma emoção entre acreditar e desacreditar”.** Gente, acreditar OU desacreditar? E tem mais, a filosofia também tenta conceitua-la: “A dúvida constitui, mais do que um conceito, todo um vasto tema na reflexão filosófica (...). O espanto, a ilusão, o erro e a ignorância constituem, entre outras atitudes, noções que exemplificam essa correlação negativa da dúvida face ao conhecimento”. Viu, negativa! Portanto ruim. Sendo assim, dolorida!

São muitas escolhas com resultados diferentes. Responsabilidade infinita decidir os rumos da vida, e não só nossa, de vários figurantes que esperam as decisões do protagonista... Mas, não há muito que fazer. Segue em frente, opte pelo que achar melhor que tudo fica bem...OU NÃO, como diria Caetano Veloso...

"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar." William Shakespeare

*Trecho extraído da publicação "O Livro dos Sentimentos - crônicas, contos e poemas para jogar com as emoções". Seleção e Organização: Maria Isabel Borja e Márcio Vassalo.

Sheila Liz
Enviado por Sheila Liz em 31/01/2011
Reeditado em 02/02/2011
Código do texto: T2763723
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