Tempo, não venha!

Estava sentada já há algum tempo em sua cama. Os joelhos dobrados junto ao peito e abraçados pelos braços. De alguma forma essa posição lhe trazia aconchego e segurança. Estava extremamente pensativa naquela tarde.

Ele tinha saído, mas logo voltaria. O que não seria grande problema, apesar dos últimos acontecimentos, ela gostava da sua companhia só não do que ele a fazia lembrar. Apesar de eles terem vivido bom tempos. Da juventude, da faculdade...

Levantou preguiçosamente da cama e foi até o banheiro se olhar no espelho, mais uma vez. Não estava se arrumando para sair nem admirando uma beleza que ela particularmente não via. Era bem pior. Estar feia é uma situação até reversível, mas, velha? Claro que há recursos para qualquer tipo de problema, inclusive rugas, mas não era só com isso que ela se preocupava.

Cada sinal que aparecia era como se fosse lhe tomado um tempo de sua vida, como se ela realmente encurtasse. Sentia que em vez de estar ganhando maturidade e experiência, ía perdendo juventude e mocidade. Engraçado, e ela sentia isso com apenas 35 anos.

Era um pavor assumir que estava envelhecendo, passando da idade para certas escolhas, vivências... Achava que perdia o sentido de viver assim, quase sem vida. Num estado em que nada era alegre, vivaz.

Achava até que a presença daquele por quem ela se apaixonou há muito tempo a estava consumindo. Ora, se conheceram ainda jovens, cheios de esperança e planos. Cada vez que ela olhava para ele, via as marcas do tempo chegando e se desesperava, porque ela também seguia o mesmo caminho. O culpava por ser um espelho. Refletia o que ela repugnava e temia: o isolamento e a inutilidade de alguém que já foi jovem...

Sentou novamente na cama e continuou pensativa. Silencio. Quebrado pelo barulho do carro. Era ele. A cada passo que ele dava ela sentia que era o andar dos anos se aproximando. Se encolhia e enfiava debaixo dos lençóis. O coração acelerado. Assim que ele entrou no quarto ela soltou um grito desesperador...

Depois daquele dia, ela não mais envelheceu, não mais viu seu corpo encontrar as marcas dos anos. Morreu de velhice, e por ironia, ainda jovem.

“Se quisermos congelar o tempo e nos encerrarmos nesse casulo, estaremos liquidados antes mesmo que a juventude acabe. Seremos a nossa ficção. A realidade continuará à nossa volta, e um dia vamos descobrir que estamos fora dela.” – Lya Luft, livro Perdas & Danos.

Sheila Liz
Enviado por Sheila Liz em 31/01/2011
Reeditado em 02/02/2011
Código do texto: T2763728
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