Me vê um café?!!

Wilson Correia

Deparo com a cachoeira e freio o andar. Um mourão à altura do peito está à minha frente e eu debruço sobre o esteio. Permaneço com os olhos na cachoeira. Na cachoeira, não: minhas retinas retêm a divina natural luminosidade das águas que formam tufos caudalosos de brilho e mistério.

O mistério das águas é o mistério do que há, do que é, do ser. Não foi nesta água que Tales de Mileto viu a gênese principiativa de tudo? Quando todos perguntavam de onde o existente teria vindo, Tales bateu o martelo: “É da água que tudo advém”.

Então, água tem a ver com começo. Com o começo de tudo. Tem a ver com o meio: somos setenta por cento água, tanto quanto a Terra. Terá a água algo a ver com o fim? Aqui a mais certeira das verdades a afirmar que onde há água há vida e há a esperança. Esperança de quê?

Creio que o humano ainda não abriu mão do sonho de entender o sentido do existente. Aliás, na busca desse sentido, foi um outro filósofo, Parmênides, que nos garantiu: “O ser é”. Em seguida, este “O ser é” parmenídeo fora logo contradito por Heráclito, para quem “Tudo flui”, razão pela qual “Ninguém entra duas vezes num mesmo rio”.

Parmênides: “Nada muda”. Heráclito: “Tudo muda”. Penso nesses pensadores e permaneço com olhos como os de cachorro em frente à máquina de frango assado, mirando muito bem cada onda de que a correnteza se serve para formar a cachoeira, motivo da minha intriga e fome de entender.

Se, há zilhões de anos, um outro humano tivesse parado sobre essa estaca e feito o gesto que faço, que água ele teria visto? Não teria sido as mesmas águas que neste instante me enchem as cavidades cognitivas? Desconfio que há uma sempre e mesma água que se refaz ininterruptamente e sem cessar e sempre e deságua na minha cara e me pede explicação. Explicar o que? Será essa uma tarefa possível?

Minhas perguntas zonzas vão ficando no ar e ziguezagueiam muito semelhantemente às bolhas de espuma que saem da cachoeira e se desfazem sob uma brisa muito aprazível e cordial. E levanto o olhar. Aquele tronco é água? É, insistem meus neurônios! Aquela pedra, também. A terra e o ar no meu nariz, todos não seriam sem a água e, portanto, água são. Quero dizer: são água na medida em que são SER.

Tales acertou. Também Parmênides e Heráclito não erraram totalmente o alvo. Tinham perspectiva. Precisamos dessa perspectiva para entender. O ser sendo é inamovível. Eterno. Há zilhões de anos essa água que me molha de mistério e encanto não era outra água. É sempre um ser sempre idêntico e igualmente sempre em si mesmo. É o que é. É o eterno.

Aliás, Nietzsche foi quem tentou amarrar essas coisas dizendo que tudo o que há vive a chamada Lei do Eterno Retorno. Disse ele: “E se um dia ou uma noite alguém se esgueirasse na tua mais solitária solidão e te dissesse: esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande na tua vida há de retornar a ti, e tudo na mesma ordem e sequência[?]”.

O texto nietzscheano me veio como lâmpada que acende de repente. Mas, cá com os meus botões, teria Nietzsche resolvido o mistério que me fez parar ante a cachoeira, aquele da gênese principiativa e o outro, da continuidade ôntica de tudo? Me faço essa pergunta e emendo negativamente um não, à medida que compreendo que falta responder a uma funda pergunta: para quê?

Com esse sem porquê me seqüestrando abruptamente, recostei-me no balcão do bar e restaurante daquela ilha e não tive outra saída:

– Moça, por gentileza, me vê um café?!!