Cura definitiva

Às vezes, uma inocente pergunta feita a um amigo, ou mesmo a um vizinho mais chegado, nos retira de imediato um determinado complexo, quando esse amigo ou o vizinho revelam, na maior tranquilidade, que igualmente passaram pelo mesmo problema que nos angustia tanto.

Vou revelar mais uma vez a minha problemática – e penso que encontrei a palavra mais acertada – já que se trata da minha incompetência na matemática. Possivelmente, tenha encontrado, hoje, a minha solucionática, como diria o jogador de futebol Dadá Maravilha.

Mas não nos apressemos, afinal, estamos numa crônica, que, como todos sabem, não passa de um papo informal, no que poderemos ir proseando com calma, para no final chegarmos ao deslinde da questão que pretendo narrar, sem muita preocupação com a gramática, que quase sempre tem o triste papel de aprisionar o nosso pensamento em suas regras inflexíveis, tornando o nosso relato meio duro, insosso, sem aquela malemolência da conversa despreocupada. Assim, nenhuma implicação terrível em “sapecar” um “vambora”, em vez do clássico vamos embora. Xacomigo e por aí vai.

Saibam os amigos leitores, segundo o filósofo Bertrand Russell, que Aristóteles foi o primeiro homem a declarar que o ser humano é um animal racional. E defendia esse seu ponto de vista pelo fato de algumas pessoas serem capazes de fazer somas. Sentiram o drama?

Cheguei a “gelar”, quando tomei conhecimento desse argumento do Aristóteles. No entanto, embora não conseguisse de jeito nenhum resolver os problemas enunciados pelo Professor Borborema, no primário, sabia somar. É verdade que muitas vezes somava nos dedos, mas isso era uma técnica auxiliar, muito usada por vários colegas.

Felizmente, o próprio Russell nos diz que atualmente não julgamos mais o homem racional por suas aptidões aritméticas. Tendo a aritmética tornado-se mais fácil, ela ficou menos respeitada. Amém! Poderemos encontrar o homem racional do mesmo modo nos homens de letras e nos filósofos. Interessante que eu usava, inconscientemente, esse argumento do homem de letras, repudiado pelo meu pai. Para atenuar a minha reprovação no quinto ano primário, chamado na época de admissão, eu, imediatamente, depois de dizer que havia sido reprovado em matemática com 3,8 (passaria com 4,0), afirmava que tinha tirado 9,0 em português a maior nota do Colégio, com o severíssimo professor Pe. Malheiros, que Deus o tenha! Era o argumento do homem de letras, que na época eu desconhecia.

Sempre achei os meus coleguinhas que sabiam matemática uma gente do outro mundo e, por uma coincidência incrível, sempre me sentei ao lado de um desses matemáticos.

Recordo-me, rindo muito, que, certa feita, já no curso Clássico, onde as ciências exatas eram desprezadas, principalmente por mim, vi-me metido numa situação constrangedora. Estávamos no meio do ano e era prova de matemática. Muito tranquilo, senhor de mim, me sentei em minha carteira, que por uma notável coincidência situava-se ao lado do melhor aluno desta ciência exata abominável. Quando acabo de me sentar, três colegas “parrudos” me tiram à força do meu estratégico lugar e me empurram para o fundo da sala. Grito, esperneio, menciono os direitos do cidadão, tudo em vão! Um dos delicados colegas apelou: - Olha aqui, ô malandrinho, agora você vai ter que revezar com a gente, cada mês um de nós fica do lado do Jorge Henrique, tá certo? - Tá bem, tá bem, violência eu não admito, mas como agora você começou a argumentar, nada a reclamar, tudo certo. A nota que tirei nesta prova, imagino que os amigos tenham acertado.

Mas como eu ia dizendo, teremos um final feliz nessa história toda. É que ultimamente tenho ouvido inúmeros relatos de pessoas até famosas contando o seu despreparo com a malfadada matemática. E mesmo o meu amigo Dilermando Cardoso me confessou, em correspondência particular, que também foi péssimo aluno dessa indigitada matéria. A minha cura definitiva veio quando soube que um pregador galês vivia sempre triste por ter cometido um pecado, aos sete anos, vejam vocês, aos sete anos, contra o espírito santo. Um amigo lhe disse: “não se deixe perturbar por isso, conheço dezenas de pessoas na mesma situação. Não pense que tal coisa o distingue do resto da humanidade; se perguntar, encontrará multidões de pessoas que sofrem da mesma infelicidade. Russell, que contou essa história, arrematou: “Desse momento em diante, o homem ficou curado. Ser-se único é uma coisa, mas pertencer a um rebanho de pecadores não tem piada”. Pensei com os meus botões: “Por que o universo se preocupará com essa minha questiúncula? Com essa minha birra com os números?”

Outro dia me deram de presente um livro de inglês, com o título “Como não aprender inglês”. O autor do livro é inglês e vive no Brasil desde os 25 anos de idade, hoje um sessentão, morando em São Paulo. O livro foi escrito especificamente para brasileiros.

Como disse, estou curado, mas é forçoso reconhecer que sempre fica uma sequela e esse inglês me deu uma grande esperança, quem sabe ainda não encontro o livro da minha vida, com o magistral título: “Como não aprender matemática, em cinco lições”.

Mundo esquisito esse, não?